A informação revelada pelos Censos 2021, que dá conta de uma redução da população residente em Portugal, parece ter surpreendido boa parte da sociedade portuguesa. Porém, esta situação não é nova. Segundo dados da Pordata, desde 1960 que o índice de envelhecimento (relação entre a população com mais de 65 anos e menos de 14 anos) aumenta, mas tal proporção tem vindo a agravar-se, tendo tido a sua expressão mais aguda no período 2001-2021. De facto, nos últimos 20 anos, o referido índice agravou-se 82 pontos, passando de 102 para 182 idosos por cada 100 jovens.

Fonte: Pordata

A ONU, por sua vez, também não nos traz razões de otimismo para o futuro. Com efeito, o relatório World Population Prospects 2019 prevê que, em 2100, Portugal terá perdido um terço da população residente. Isto significa que, ao longo das próximas décadas, podemos assistir a uma curva descendente que continua a tendência 2011-2021 e que, desde 1864, apenas aconteceu na década de 60 do séc. XX, por força das circunstâncias históricas que conhecemos. O culminar desta curva numa população residente inferior a 7 milhões de habitantes significa o regresso ao cenário demográfico dos anos 30 do séc. XX, sendo que, nessa altura, a tendência era de crescimento.

Este cenário demográfico tem, logicamente, implicações eleitorais e nas escolhas de políticas públicas. Em 2020, o país tinha sensivelmente 9,3 milhões de residentes recenseados. Se olharmos para a distribuição etária do eleitorado, constatamos que cerca de 4,9 milhões tinha mais de 50 anos, ou seja, cerca de 53%. Pelo contrário, a quantidade de eleitores registados entre os 18 e os 34 anos não chegava a 2 milhões perfazendo, por isso, aproximadamente 20% do eleitorado. Por outro lado, os diferentes escalões etários da população não apresentam uma participação eleitoral uniforme. De acordo com um estudo recente da Universidade Nova de Lisboa, constatou-se que a abstenção se concentra nas faixas etárias mais jovens. Os investigadores sublinham que, desde 1985 a 2015, o principal ponto a salientar é o da expansão da abstenção não só entre a faixa etária mais jovem, mas também no escalão etário seguinte. Na verdade, ao contrário do que sucedia na década de 1980 e no início da década de 1990, os eleitores com idades compreendidas entre os 30 e os 44 anos apresentam uma tendência maior para a abstenção do que os cidadãos mais velhos.

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Esta brevíssima apresentação permite-nos concluir que a população portuguesa se encontra mais envelhecida – sendo a tendência para agravar – mas também que são as faixas populacionais mais velhas que mais votam e, nessa medida, que mais capacidade possuem de influenciar os resultados eleitorais e as políticas públicas associadas.

Tendo em conta que uma população envelhecida favorece, tendencialmente, respostas para problemas mais imediatos,  não surpreende a distribuição atual do voto. Com efeito, na sondagem realizada pelo ICS/ISCTE, em Janeiro de 2022, é possível constatar que a maioria do eleitorado a partir dos 65 anos declarou intenção de votar nos partidos tradicionais da esquerda (PS, CDU e BE), em claro contraste com as intenções de voto do eleitorado mais jovem (23-45 anos) nesses mesmos partidos, o qual é, tendencialmente, mais captado pelo PSD e IL.

Fonte: Sondagem ICS/ISCTE

De facto, os partidos da esquerda do espetro político caracterizam-se por serem avessos à realização de reformas, preferindo manter quase inalterados os enquadramentos quotidianos em que a sociedade portuguesa se encontra. Por outro lado, encontrando a situação demográfica um paralelo temporal com a estagnação económica portuguesa, podemos igualmente concluir que o país se encontra numa situação de rigidez estrutural da qual será muito difícil escapar.

Neste sentido, a demografia é causa de imobilismo e estagnação.

Mas a demografia é também sua consequência. Voltando aos Censos 2021, é possível observar que a população residente não diminui em maior escala pelo papel desempenhado pela imigração. De todo o modo, os dados são elucidativos.  No período de 1960-1980, emigraram 1.167.236 pessoas, o maior período de fluxo de pessoas para o exterior na história portuguesa. Mas se atentarmos no período 2001-2020, observamos que a emigração totalizou 1.045.229, sensivelmente metade a título permanente.

Segundo estudos recentes, em termos sociodemográficos, assinala-se uma modificação das características dos emigrantes. No passado, os fluxos emigratórios envolviam sobretudo as camadas populacionais económica e culturalmente menos favorecidas. Pelo contrário, a emigração atual, embora continue a registar uma boa parte de portugueses menos escolarizados, encontra-se crescentemente a envolver cidadãos qualificados ou altamente qualificados.

Apesar de haver quem defenda que o aumento das qualificações da população emigrada é mais resultado do aumento da qualificação portuguesa em geral do que de uma maior incidência da emigração nos setores qualificados, também é plausível considerar que, ao contrário do que aconteceu no passado, em que as pessoas encontravam sentido, propósito e perspetivas pessoais e profissionais em Portugal, tal tenha, gradualmente, deixado de acontecer. Esta situação é particularmente visível nos mais recentes estudos sobre a nova emigração portuguesa, publicados pelo Observatório da Emigração, em Novembro de 2021. De acordo com os mesmos, ‘os emigrantes altamente qualificados, muitos deles jovens, são uma forma emergente e preocupante de mobilidade, resultante do aumento generalizado da escolarização da população portuguesa e da falta de emprego compatível com as suas expectativas, o que resulta numa das maiores taxas de desemprego dos jovens qualificados na Europa’.

Fonte: Observatório da Emigração

Neste contexto, a OCDE concluiu que ‘Portugal tem uma das maiores taxas de brain drain na Europa: em 2010-2011, a média da taxa de emigração de altamente qualificados nos países europeus membros desta organização era de 5,3%, sendo o valor em Portugal de 12,9%’. Quanto aos motivos apontados para a saída de Portugal para outros países europeus, são apontados a falta de perspetiva de carreira e a falta de futuro em Portugal. Preocupantemente, a maioria não pretende regressar ao país ou está indeciso a fazê-lo o que coloca problemas, designadamente a diminuição da capacidade do país em inovar, aumentar a produtividade e, por essa via, os salários e bem-estar geral. Por outro lado, o investimento realizado na qualificação da população terá cada vez menos retorno, não apenas pela emigração de população formada em Portugal, mas também devido à relativa falta de atratividade de talento estrangeiro devido ao nível salarial nacional.

O panorama para o país não é, pois, animador. A demografia é, de facto, um dos problemas centrais do século XXI. Por isso, é necessário que sociedade civil e partidos políticos a definam como efetiva prioridade e empreguem o foco necessário para a resolução deste problema.

Não ignoramos que os incentivos políticos não se encontram alinhados com este desiderato. De facto, numa sociedade cada vez mais envelhecida, coloca-se com particular acuidade a prestação de cuidados de saúde e sociais e, porventura, menos temas como a educação, inovação e desenvolvimento. Não surpreende, portanto, que os dados do mais recente Eurobarómetro indiquem que 72% dos portugueses entendem que a saúde pública deve ser a prioridade do Parlamento Europeu (média europeia: 42%), seguida da luta contra a pobreza e exclusão social, com 61% (média europeia: 41%). São aspirações legítimas, mas que se encontram em coerência clara com os dados já apresentados. Ironicamente, porém, na ausência de população mais jovem, a prazo a capacidade para prover essas prioridades irá degradar-se inexoravelmente por falta crescente de recursos financeiros. Para além disso, a única forma de reter (e atrair) população qualificada passa necessariamente por investir em áreas crescentemente desalinhadas com as necessidades imediatas da população. E a melhor – senão mesmo a única – forma de Portugal crescer, é mudar de políticas situacionistas para políticas de crescimento económico, por muito que os incentivos sejam os de imobilismo. Esse é o desafio que o país e todos os partidos terão de enfrentar.

Uma maioria absoluta reforça a obrigação do Governo que dela beneficia em responder aos principais desafios deste século, como o desafio demográfico; como reforça a necessidade de os partidos da oposição em aí colocarem o seu foco. Não é a agenda política ou mediática que o justifica. É o futuro de Portugal que o determina.