De toda a vez que emiti a minha opinião sobre educação ou sobre algo relacionado com a educação penso ter sido claro sobre a importância que tal tem para a economia do país. Não há nada mais importante. Podemos não ter dinheiro para estradas, bancos, políticos ou futebol, mas para educação temos de ter. A propósito do recente conflito entre sindicato de professores e governo que gerou uma crise política cujas consequências ainda não conhecemos, deixem-me dizer que sou totalmente contrário a qualquer decisão sobre a carreira dos professores por uma razão singela: não acho que tenhamos de ter professores. Mas eu explico melhor, vai levar tempo e, no fim, os professores até vão gostar.

Começo por separar a educação dos professores. Educação é ter alunos ensinados. Se os professores servirem para isso, então precisamos deles. Se não servirem, então não precisamos. Pessoalmente, não tenho a menor dúvida de que precisamos. Ainda não temos forma de ensinar sem ser com pessoas, nem sou da opinião que algum dia teremos capacidade de ensinar sem a utilização de pessoas para tal. No entanto, não acho possível que à medida que o acesso à informação vai crescendo e tornando-se mais democrático, o papel dos professores se mantenha exatamente o mesmo e em todos os níveis de ensino. Hoje o professor Silva de Corroios e Leo Susskind de Stanford estão igualmente acessíveis no que à emissão de conhecimento diz respeito, talvez o último mais ainda porque está disponível no Youtube 24/7. No que são completamente diferentes é em termos de receção desse conhecimento pelos alunos. Se me perguntam, os alunos vão precisar de ter mais quem os faça receber e menos de quem emita, porque destes podem ter acesso aos melhores do mundo. Daqueles é que hoje a maioria precisa de pagar à parte para ter.

Ora, se decidir o que os alunos devem aprender é claramente uma decisão que pode perfeitamente ser tomada a uma escala europeia ou mesmo global, as decisões sobre acompanhamento da aprendizagem são tão locais quanto possível. Sobre se a receção está a acontecer ou não. E é este acompanhamento que não pode ser substituído por um robot, como as experiências do passado com a Tele Escola nos podem dizer. Podem dizer-me que isto é ficção científica e, se calhar, estou enganado. Mas não há grandes dúvidas que, seja o que for que o amanhã nos traga, pior que o nosso hoje não será de certeza, pelo que a decisão do que é um bom ou um mau professor será tendencialmente uma decisão tão local quanto possível, sendo que devemos ter, a bem de todos nós, o fim de Lisboa enquanto centro determinante da política laboral dos professores, a favor dos órgãos locais; e enquanto centro determinante das metas educativas, a favor dos órgãos comunitários. E seja qual for a perspetiva que tenhamos para a educação, a ideia de um quadro nacional de professores, de uma lei para a contratação, ou de um concurso nacional são tudo conceitos perfeitamente obsoletos e absurdos para o objetivo que, recordo, é ter os alunos ensinados. Não faz sentido empregarmos professores, porque quem tem de lhes dar trabalho são as escolas.

E depois temos a razão económica. Economicamente, a educação é praticamente de borla. Para montar um sistema educativo não precisamos de importar maquinaria específica, minérios raros ou combustíveis fósseis. Precisamos unicamente de meter um professor em frente de um aluno para que o capital seja transmitido. E se é confortável que tal seja feito em salas limpas, com quadros eletrónicos e cadeiras almofadadas, também é verdade que se for com giz em lousa e em cadeiras de pau, funciona na mesma. Portanto, não é verdade que o investimento em educação se meça em unidades monetárias, porque se arranjássemos professores que não comessem, púnhamos um professor à frente de cada aluno, não gastávamos dinheiro nenhum e estaríamos a investir o máximo que podíamos.

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Claro que os professores têm de ganhar dinheiro, porque os professores que temos têm que comer e fazer aquilo que todos os outros fazem, senão ninguém é professor. Mas o facto de não precisarmos nada de fora, diz-nos que podemos pagar tudo em moeda da nossa. Como não há nada mais importante na economia que a educação, podemos imprimir dinheiro para pagar aos professores, já que o retorno é garantido ou, pelo menos, mais garantido que todas as outras desculpas que encontrarmos para imprimir dinheiro. Certo? Porque o dinheiro representa capital e a educação é só transmissão de capital. Claro que o professor pode ser mau ou o capital que ele transmite pode ser muito inferior àquele que o dinheiro que ganha representa, mas nesse aspeto, também a estrada que construímos pode não servir para nada. Assim, se houver este desfasamento, o dinheiro desvaloriza mais que a inflação natural que deriva do crescimento, mas contra isso, batatas! Portanto, à partida podemos imprimir mais dinheiro porque há mais capital. Daí eu dizer que a educação é economicamente de borla, desde que possamos imprimir dinheiro para pagar aos professores. Só há um “pequeníssimo” problema neste raciocínio: nós já não imprimimos dinheiro.

O facto de não imprimirmos dinheiro traz um problema importante naquilo que é o verdadeiro investimento público, aquele em que aumentamos o capital do país, como é o caso da educação. Mas, esperem, é verdade que não imprimimos dinheiro, mas há quem o imprima. Nós temos um banco central de facto, só não está em Lisboa, está em Frankfurt. Isto significa que a educação portuguesa – ou outra qualquer na zona euro – deve ser paga pelo orçamento europeu e não pelos orçamentos nacionais. Significa isto que a remuneração dos professores, com progressões ou não, com 2 anos ou com 9 anos, 4 meses e 2 dias, não deve ser um problema de défice orçamental nacional, mas uma questão de investimento público europeu. Repetindo o raciocínio, se é economicamente importante e pode ser pago com dinheiro impresso, então deve ser pago por quem imprime o dinheiro. Se o capital gerado é coberto pelo dinheiro impresso, então não tem impacto na inflação. Se não é, tem impacto, mas tem impacto ao nível de toda a zona monetária. E, em rigor, é toda a zona monetária que vai usufruir do crescimento de capital em consequência da liberdade de circulação de pessoas e bens. Leia-se, capital. Em conclusão, os professores devem ser funcionários europeus e não funcionários do estado português.

E, vamos ser razoáveis, não há relação laboral nenhuma com salários em dia, em sítio nenhum do mundo, que se processa com duas greves por ano. Se olharmos para aquilo que se passa entre os professores e o estado português só há uma conclusão a tirar: nós somos os piores patrões do mundo e o trabalho dos professores deve ser do mais próximo da escravatura que deve haver, isto avaliando pela quantidade de vezes que protestam. Ora, juntando tudo, parece-me óbvio que a solução é despedir os professores todos e entregá-los a Bruxelas. A escolha dos professores e a sua gestão deve ser feita pelas escolas; o pagamento dos seus salários deve vir de Bruxelas.

Claro que, no final, nos devemos perguntar porque carga d’água precisamos de um ministério da Educação em Lisboa. Eu acho até que nos devíamos perguntar porque é que precisamos de qualquer ministério em Lisboa, mas essa é uma história que deixarei para outra oportunidade.

Imagino que os meus amigos menos federalistas estejam com a penugem toda eriçada, que aquilo que estou a dizer é que deveríamos entregar mais uma parte da nossa soberania à ideia de uma federação europeia. Deixem-me responder-lhes, com o respeito que me merecem, mas tarde piam.  Sim, é exatamente isso que estou a dizer, mas as escolhas feitas até agora implicam que o caminho que devemos seguir não é o mesmo que aquele que seguiríamos se as nossas opções na Europa (e não só) tivessem sido outras. Agora, quando ser independente só nos traz problemas e nos livra das vantagens, não me parece que seja particularmente inteligente andar a recuperar desejos nacionalistas.

(As opiniões expressas neste artigo são pessoais e vinculam apenas e somente o seu autor)

Co-Fundador da Closer, Vice-Presidente da Data Science Portuguese Association, Professor e Investigador