Quando eu era miúdo, a RTP tinha o Vitinho. Todas as noites, por volta das 21h, este simpático gaiato de banda desenhada aparecia com uma historinha para as crianças se irem deitar. Durante anos, achei que a letra do genérico era “Está na hora da caminha, vamos lá dormir”. Só que agora que ouvi a entrevista de Miguel Alves, percebi que afinal era “está na hora de Caminha, vamos lá dormir”. É que a explicação sobre os 300 mil euros que este ex-Presidente da Câmara pagou por um pavilhão que não existe é das melhores histórias de embalar que já ouvi. O nível de efabulação, com as queixinhas sobre estar a ser perseguido, fazem de Alves, não um Vitinho, mas um Vitiminho.

Claro que nem todas as críticas que lhe têm sido feitas são justas. Por exemplo, acusam-no de falta de respeito pela comunicação social, por ter demorado tanto tempo a responder às suas perguntas. Só que Miguel Alves não fez por mal. Para quem acha normal esbanjar dinheiro numa obra que está dois anos sem avançar, não é grave ficar duas semanas sem dar justificações sobre um caso sensível.

Ainda para mais, se a falta de respostas já era esquisita, o seu aparecimento é capaz de ser ainda mais bizarro, uma vez que os esclarecimentos de Miguel Alves, em vez de clarificarem, confundem. Por exemplo, questionado sobre se discutiu o tema com o PM, Alves diz: “Dei-lhe nota do que se estava a passar e tive, por parte do primeiro-ministro, toda a força necessária.” Cá está. É justamente o problema: a facilidade com que Miguel Alves dá nota. Seja a um empreendedor desconhecido, seja ao Primeiro-Ministro, Alves é perdulário com notas. E vê-se que a sua prodigalidade não traz consequências.

Às tantas, Alves avança com uma explicação: “Este caso existe por duas coisas: primeiro, porque sou secretário de Estado do primeiro-ministro (…)”. O que é estranho, porque o Primeiro-Ministro já teve outros secretários de Estado e, que se saiba, mais nenhum entregou 300 mil euros a um promotor de currículo duvidoso para não edificar uma obra. Se calhar, o que acontece não é que este caso existe porque ele é secretário de Estado, mas que ele é secretário de Estado porque este caso existe. António Costa gosta de ter ao seu lado este tipo de chicos-espertos que sabem mexer-se nos interstícios da lei. É possível que o PM tenha tido conhecimento das tropelias de Alves e decidido que precisava de um sabidão desses no seu gabinete.

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Depois, Alves continua: “(…) e existe, também, um certo preconceito com Caminha. Como se Caminha não merecesse um centro de exposições transfronteiriço, como se Caminha não tivesse o prestígio suficiente para ter um centro de ciência e tecnologia”. Que é, também, um raciocínio pouco lógico. Alguém diz que Caminha não merece? Quem? Evidentemente, merece. É esse, aliás, o cerne da questão. Caminha merece o centro! Onde é que ele anda? Já está pago. Ainda não saiu do papel, embora já tenha saído muito papel.

Também julgo discutível que Alves se possa referir ao pavilhão como “centro de ciência e tecnologia”. Qualquer pessoa que já tenha visitado um destes mamarrachos autárquicos (um que exista mesmo, claro), sabe que é uma espécie de barracão gigante que acaba a ser usado para feiras de artesanato, concertos do Emanuel e, tratando-se do Minho, uma final four da Taça CERS de hóquei em patins. A única tecnologia que vai ser ali usada é a dos Ghostbusters, para tentar que ao menos seja possível detectar o pavilhão fantasma.

Mais à frente na entrevista, Miguel Alves finalmente apresenta um argumento válido: “Em Caminha, naquele momento, já estávamos a pagar arrendamento por um espaço, que são as piscinas de Vila Praia de Âncora, em que pagamos 900 mil euros por ano. Aqui, em causa estavam 300 mil euros, não por um espaço que serve a comunidade, mas por um espaço que atrai comunidade”. Face a isto, só quem quer embirrar é que achará que Miguel Alves fez um mau negócio. O pavilhão ficou muito mais em conta. Repare-se que é três vezes mais barato do que as piscinas, apesar de ambos servirem para a mesma coisa. Em Caminha, o munícipe ou vai às piscinas e nada, ou então vai ao pavilhão e… nada. Zero. Nicles.

A verdade é que Miguel Alves mostrou ser um novo tipo de autarca. E isso cria invejas. Antigamente, quando se queria elogiar um edil que tem uma relação liberal com o erário público, dizia-se que “rouba, mas faz”. Este novo tipo de Presidente de Câmara inovou e actualmente já tem de se dizer que “rouba, mas faz de conta”. O que Alves conseguiu, pagar por um pavilhão que não só não é construído como, ainda por cima, está a ser projectado para outro sítio, é como dar entrada para um apartamento na Lapa e descobrir que o construtor afinal vai fazê-lo na Damaia. Miguel Alves cunhou uma nova definição para “especulação imobiliária”: agora, trata-se de especulação no sentido de não se ter a certeza sobre a localização do imóvel adquirido. Digamos que Miguel Alves investiu em planta, se a planta for o nabo.

No entanto, é inegável que, mesmo sem ser construído, este centro de exposições já se tornou no ex-libris do roteiro intelectual do Alto Minho. Quando alguém quer ficar a saber mais sobre a forma como os autarcas fazem negócios desastrosos com o dinheiro dos munícipes, já não precisa de se meter no carro para ir assistir a uma exposição. Fica em casa. A não construção do centro de exposições é a exposição. Trata-se de uma meta-exposição. Ou melhor, uma metaobolso-exposição.

Para terminar, há que dizer que é falso que este caso não vá ter consequências no governo. Depois de ter dito que Miguel Alves se deve demitir, é certinho que Alexandra Leitão nunca mais mete os pés num executivo de António Costa.