O meu nome, Tiago, vem do hebraico Jacob. Jacob é o filho de Isaque, neto de Abraão. Significa isto que tenho o nome de um dos patriarcas. Quando era miúdo não gostava muito do meu nome porque o achava um nome de miúdo. Parecia-me impossível que um adulto se pudesse chamar Tiago. A ideia que tenho é que no início dos anos 80 não havia em Portugal muita gente crescida chamada Tiago. Não sei se já considero Tiago um nome de adulto mas, pelo menos, já são muitos os adultos que conheço assim chamados—os Tiagos crianças envelheceram. Gostava que este texto fosse acerca de como o meu nome, parecendo-me antigamente tão infantil, é um nome importante ao ponto de até Deus o ter usado para si (planeio escrever noutra ocasião um texto diferente acerca do próprio significado do nome).

Um dos episódios mais inspiradores do Velho Testamento é quando Deus comissiona Moisés para libertar o seu povo do Egipto (em Êxodo 3). Moisés fica à rasca: “Quem sou eu, para me apresentar diante do Faraó e tirar do Egipto os filhos de Israel?” (v. 10). Deus, de uma maneira muito paciente, responde-lhe que Moisés seria a pessoa que estaria acompanhada dele, do próprio Deus (v. 12). Moisés teima na sua timidez (e a paráfrase é minha): E quem és tu, Deus, para te poder apresentar para uma missão tão impossível como esta? Moisés é o padroeiro dos homens com medo: primeiro perguntam “quem sou eu para me meter nisto?”, e depois perguntam “quem és tu para me meteres nisto?”

A resposta de Deus ao Moisés medroso é única (v. 14): “Eu sou o que sou” (ou “eu sou aquele que é”). A coisa pode virar demasiado filosófica mas o nome de Deus é tão além de ser dito porque Deus é a base da própria capacidade de alguma coisa ser o que é. A questão não é se temos a capacidade de dizer o que Deus é; a questão é que só a partir de Deus é que podemos nós ou qualquer outra coisa ser. Ainda assim, Deus vai condescender com a mistura de temor e atrevimento da pergunta de Moisés e dá-lhe as instruções para o que deve dizer ao Faraó: “O Senhor, o Deus dos vossos antepassados, o Deus de Abraão, Isaque e Jacob, foi quem me enviou para vos falar (v. 15).” Ou seja: num primeiro momento vemos que Deus não pode ser nomeado; num segundo vemos que, pronto, para facilitar a conversa, Deus aceita ser nomeado a partir daqueles que nele confiaram—Abraão, Isaque e Jacob.

Não consigo elogiar devidamente o encanto deste passo bíblico: o Deus que não tem nome condescende em ser chamado pelo nome daqueles que nele confiam. Como se conhece o Criador? Através das criaturas que o reconhecem. Deus não se apresenta como um conceito a aprender; apresenta-se nas pessoas que o seguem. O Deus sem nome é um Deus por documentar, um ilegal diante do nosso sistema de registos, é certo. Mas o Deus sem nome, sem cartão ou cédula para mostrar, diz-nos: trata-me pelo nome das pessoas que me têm conhecido. Queres saber quem sou? Sou o Deus de Abraão, Isaque e Jacob. Para se apresentar a nós, Deus confia no nome daqueles que nele confiaram—isto é uma maravilha!

Sabermos que vida foi a de Abraão ao confiar em Deus chega-nos para libertarmos povos inteiros das mãos de tiranos. Sabermos que vida foi a de Isaque ao confiar em Deus chega-nos para castigarmos os opressores com dez pragas em cima. Sabermos que vida foi a de Jacob ao confiar em Deus chega-nos para um mar se abrir para que os libertos abandonem o seu cativeiro. O milagre do livro do Êxodo não depende de um homem poderoso com dons divinos—Moisés é o oposto de todas essas excelsas capacidades. O milagre do livro do Êxodo depende de um Deus com designação de humanos. Não é, por isso, de estranhar, que a lógica do Velho Testamento peça um Novo em que, agora, não somente Deus se apresenta com nomes de pessoas como Abraão, Isaque e Jacob, mas apresenta-se como pessoa mesmo, em Jesus Cristo.

Uma ausência de um nome perfeito é na Bíblia um problema resolvido com três nomes de gente muito imperfeita. Primeira troca. Nomes e nomes de gente muito imperfeita são na Bíblia substituídos por um nome perfeito, que é o de Cristo. Segunda troca. Pensem bem no consolo que isto nos oferece. Quando vivemos aqueles momentos tramados que até o nosso próprio nome nos parece desencaixado para as pessoas que nos tornámos, temos o nome de Jesus. Quando vivemos aqueles momentos tramados em que só o nome de alguém muito melhor do que nós poderá abrir portas que não conseguimos abrir, temos o nome de Jesus. Somos gente que tem o nome do Deus que não se importou de assinar com nome de gente.

Como posso eu, Tiago, ser tímido em usar o nome de Cristo, que é Deus? Deus, que tinha muita razão para não ser associado a mim, não teve vergonha de usar o meu nome.

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