É nestas alturas, mais precisamente num destes brevíssimos intervalos entre um novo escândalo com um secretário de Estado do PS e uma nova trapaça envolvendo a esposa de um ministro socialista, que uma pessoa imagina – se tiver uma imaginação pródiga e sobretudo rápida – como seria bom vivermos numa monarquia. Mas depois lemos a biografia do príncipe Harry e passa.

Isto porque, na sua recém lançada, digamos, obra, o Duque de Sussex revela, por exemplo, que o Rei Carlos faz o pino contra a parede, todos os dias, só vestido de boxers. Deixando, no entanto, espaço para legítima dúvida sobre se estamos a falar de boxers justos, o que tornaria a revelação irrelevante, ou se, pelo contrário, estamos a falar daqueles boxers largueirões, cenário que, esse sim, configuraria real revelação de reais partes baixas.

E como se não bastasse esta inconfidência sobre o pai, o príncipe Harry seguiu divulgando ter queimado o pénis durante uma viagem ao Polo Norte e aplicado creme de rosto da Elizabeth Arden para aliviar o sofrimento, o que o fez lembrar-se da mãe. Naquela que é já a história mais embaraçosa envolvendo um alto dignitário e sua mãe, desde que José Sócrates garantiu que o dinheiro que esturricava vinha de um cofre da sua progenitora.

E que melhor pretexto para recentrar esta croniqueta na nossa pujante democracia que a preciosidade José Sócrates? Só talvez o facto de António Costa ser igualzinho ao Sócrates. Mas desta vez o outro Sócrates. O filósofo. O grego. Não o filósofo português, que esse, como sabemos, aldrabou o primeiro-ministro. Não, Costa foi separado à nascença do Sócrates, sim, mas do Sócrates fundador da filosofia ocidental. Tanto é que ambos só sabem que nada sabem. O Sócrates dizia nada saber acerca da condição humana; o Costa alega nada saber acerca da falta de condições que os humanos por ele escolhidos para o governo revelam.

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São tantas e tão boas – de tão más – as dúzias de moscambilhas envolvendo o governo na última dúzia de dias, que é difícil escolher uma. É como ter de escolher se gostamos mais da mamã (do actual líder parlamentar, que foi ela própria ministra), ou do papá (da directora da empresa pública, que foi ele próprio secretário-geral do partido).

Mas pronto, tendo de seleccionar uma moscambilha, eu elejo o caso da ex-secretária de Estado da Agricultura, Carla Alves, que saiu do Governo 25 horas depois de tomar posse. Creio que, após este caso, o Presidente da República tinha de intervir. Dissolvendo o Parlamento? Enfim, não sei se passaria por dissolver a câmara dos deputados. Mas passava por uma câmara. Mais precisamente por uma câmara lenta. A pretexto do caso Carla “Mais Rápida a Demitir-se que a Própria Sombra a Demitir-se” Alves e os seus 1.500 minutos no governo, o Presidente Marcelo devia ter obrigado o executivo a governar em câmara lenta. Para termos tempo de ver todos os elementos que passam pelo governo. Caso contrário o olho humano não capta.

Dir-me-ão: “Pôr o governo a trabalhar em câmara lenta? Isso seria acelerar a velocidade e não reduzi-la, uma vez que o governo não faz rigorosamente nada.” Percebo o desabafo, mas é falso, meus amigos. Como é que o governo não faz nada? Basta ver que pelo menos no tempo do Sócrates – de novo o nosso, salvo seja – ainda havia uma velhinha em Portugal que conseguia ter poupanças guardadas num cofre.