«Digam mal, caramba! Não se queixam de nada? (…) Já consumiram a vossa capacidade de protestar? (…) Escrevam, minha gente! Mostrem o traseiro (virtual, é claro) ao poder

A liberdade de expressão é um bem que assiste a João Caupers, hoje como há dez anos, altura em que escreveu na publicação digital da Faculdade de Direito, em “Pontos de Vista”, textos de opinião ou mesmo «tolos» que têm sido amplamente divulgados pela imprensa agora que foi eleito para Juiz Presidente do Tribunal Constitucional. Os excertos desses textos surgiram primeiro no DN, depois em todo o lado, sejam sobre Carlos Castro, a homossexualidade, os tomates ou a troika. João Caupers tem liberdade para ser politicamente incorrecto. Ele tem, mas o Presidente do Tribunal Constitucional, não. Como à mulher de César, não basta sê-lo, tem de parecê-lo. No caso, ter e parecer ter dignidade institucional: o Presidente do Tribunal Constitucional personifica o garante da nossa constituição. E ainda que, à data da redacção dos textos ligeiros e tolos, fosse professor da Faculdade de Direito e não juiz, a questão permanece: de um professor espera-se, se não as virtudes aristotélicas da prudência e da moderação, pelo menos, bom senso. João Caupers não o teve.

Há dez anos João Caupers escreveu que os homossexuais não passavam de uma inexpressiva minoria e que ele, como membro da maioria heterossexual, respeitando-os embora, não estava disposto a ser tolerado por eles. Há dez anos João Caupers tinha já sessenta anos. Há dez anos, quase onze, foi aprovado o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, essas de uma minoria pouco «iluminada e pensamento amplificado pelos media» e em número «menor do que os vegetarianos ou seguidores do Dalai Lama». Essas que por orientação sexual foram e continuam a ser discriminadas, perseguidas, presas, mortas. De Walt Whitman, Proust, Oscar Wilde e Lorca, não poderei dizer se foram ou não vegetarianos, se eram ou não budistas ou peregrinaram ao Tibete, mas posso afirmar que foram homossexuais, uma minoria, escritores, outra minoria, poetas, uma minoria ainda menor, e presos e mortos – Oscar Wilde e Lorca, respectivamente. Mas ainda que tivessem produzido apenas textos ligeiros e tolos, deveriam ter tido a oportunidade de igualdade formal perante a lei.

Pela Constituição da República Portuguesa todos os cidadãos têm a mesma dignidade social, e o nº 2 do artigo 13 prevê que «ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.»  Não há, portanto, lugar a prevalência valorativa de maiorias ou de minorias, nem a tolerância de umas pelas outras. Confesso, no entanto, gostaria que Lorca e Proust me tolerassem.

De um juiz do Tribunal Constitucional podemos esperar posições mais progressistas ou mais conservadoras. Ambas nos são úteis e necessárias. Mas do Juiz Presidente do Tribunal Constitucional deveríamos poder esperar… mais.

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