A Bielorrússia pode parecer geograficamente muito longe de Portugal, mas não é, fica no coração do Continente Europeu. Por isso, a continuação de uma ditadura sangrenta nesse país deve servir de lição para todos nós, alertar-nos para o perigo dos extremismos políticos.

Alexandre Lukachenko voltou a repetir o cenário de eleições presidenciais anteriores, mas, desta vez, com um grau de violência inaudito, deixando assim claro que está disposto a tudo para se manter no cargo de presidente da Bielorrússia.

A forma como decorreu a campanha eleitoral não agoirava nada de bom. O regime de Lukachenko, que governa um país situado no coração da Europa desde 1994, atirou para a prisão ou para o exílio os mais influentes adversários na corrida eleitoral, dificultou a campanha da principal concorrente, Svetlana Tikhanovskaya, que se viu obrigada a dirigir a oposição depois do seu marido, que se preparava para defrontar Lukachenko, ter sido preso, e desenhou um resultado à medida das suas ambições ditatoriais: 80% dos votos a seu favor, deixando para a sua adversária 10%.

Por isso não foi surpreendente o facto de milhares de pessoas terem saído para as ruas de Minsk, Vitebski, Brest e outras cidades bielorrussas logo após o encerramento das urnas e o anúncio da “estrondosa vitória” do ditador. Tal como acontecera em situações anteriores, o aparelho repressivo estava pronto para actuar e esmagar os protestos a todo o custo. Os confrontos violentos provocaram mais de 100 feridos e a polícia deteve mais de 3 000 manifestantes.

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É de salientar que os jovens constituem a grande maioria dos manifestantes, pois estão cansados e fartos de viver num regime anacrónico, uma simbiose de restos da União Soviética com métodos arcaicos de gestão económica. Os kolkhozes (unidades colectivas de produção soviéticas) continuam a ter um peso importante na agricultura bielorrussa, o papel do Estado na economia é omnipresente.

O paternalismo de Lukachenko, que o torna mais semelhante a um líder da extrema-direita do que da extrema-esquerda, funciona ainda entre os habitantes do campo e os reformados, que receiam mudanças bruscas do regime, mas sufoca o poder de criatividade dos jovens e da classe. Por isso, o ditador bielorrusso terá cada vez mais dificuldade em governar. Não foi por acaso que o ditador se preocupou em deixar um recado aos pais: “Repito aos pais pela terceira vez para verem por onde andam os filhos, para que depois não doa, para que depois não venham com ais e ois!”

Pode ter passado despercebido a muitos, mas ocorreu um acontecimento muito importante na cidade de Kobrin, no distrito de Brest. Vendo-se perante a multidão, alguns polícias de choque baixaram os seus escudos, dando assim um sinal de que não tencionavam reprimir os protestos.

É um sinal ainda fraco, pois os agentes que os substituíram carregaram com força, mas deve ser levado em atenção. Os protestos da oposição nas ruas irão continuar e, das próximas vezes, o número de agentes insubordinados poderá ser maior.

Também não foi surpreendente, pelo grau de cinismo, a reacção de Lukachenko aos protestos: “Sinceramente falando, toca-me quando vejo uma criancinha dirigir-se para as urnas [acompanhando os pais]. Compreendem, isso é uma festa. Alguém quis estragar essa festa. Nós vimo-los, pois eles brilharam ainda mais esta noite. Fixámos chamadas do estrangeiro. Da Polónia, Grã-Bretanha e República Checa chegaram chamadas, dirigiam as nossas, desculpe-me, ovelhas: eles não sabem o que fazem e começam já a ser controlados”.

Diz-me com quem andas…

Não obstante a troca de mensagens azedas entre Moscovo e Minsk durante a campanha eleitoral, as “declarações ousadas e destemidas” de Lukachenko, nomeadamente contra o “envio de mercenários russos” para a Bielorrússia, não deverão causar muita mossa às relações entre o ditador bielorrusso e o seu homólogo russo. Tratou-se de declarações e acções para consumo interno, para Lukachenko mostrar que só ele pode “impor respeito” no campo internacional, só ele é o garante da independência do país frente à vizinha Rússia e ao chamado Ocidente.

O ditador bielorrusso sabia que o presidente russo não o deixaria cair, pois é a garantia da presença russa num país-tampão, situado numa posição estratégica entre a União Europeia e a Rússia. Além do mais, o abandono de Lukachenko à sua sorte criaria desconfiança noutros déspotas que se encontram na área de influência da Rússia, nomeadamente na Ásia Central.

E, como vieram a mostrar os factos, Vladimir Putin parece não ter ficado muito incomodado com a “vitória estrondosa” de Lukachenko, pois logo a seguir ao fecho das urnas os observadores russos e de outros países da Comunidade de Estados Independentes, ou seja dos vassalos do Kremlin, reconheceram a legitimidade do escrutínio.

Porém, é de salientar que o dirigente russo não foi o primeiro, nem o segundo a felicitar Lukachenko, tendo sido ultrapassado pelos homólogo chinês, Xi Jinping, e cazaque, Kassym-Jomart Tokaev. No caso da China, esta tem fortes interesses económicos na Bielorrússia e concorre com a Rússia neste campo. Aliás, este factor é usado por Lukachenko no seu diálogo com Putin.

Volodymir Zelenski, presidente da vizinha Ucrânia, teve uma reacção muito diplomática: “as dúvidas em semelhante envergadura são o caminho directo para a violência, o conflito, o protesto social crescente”. Ao não felicitar Lukachenko e ao apelar ao diálogo, o dirige ucraniano tenta não “queimar pontes” com o homólogo bielorrusso.

Outra vizinha da Bielorrússia, a Polónia, condenou a repressão violenta das manifestações da oposição, tendo sido acompanhada neste acto por algumas organizações europeias.

Os próximos dias poderão ser decisivos para o futuro da Bielorrússia. Por isso, devemos estar atentos.