Segundo os relatos que me chegam de Portugal, António Costa resolveu representar as personagens do “Borgen” – aparentemente uma série que muito aprecia. Enquanto em Portugal se brinca “ao Borgen”, a economia mundial pode estar próximo de uma recessão (seria a primeira desde o inicio da crise financeira) por causa da crise na China e nas economias emergentes. A União Europeia enfrenta uma crise existencial, com Schengen sob pressão, a crise do Euro longe do fim e o risco do inicio da fragmentação, se o Reino Unido sair. O mundo e a Europa estão muito complicados e o líder do PS resolve brincar à política.

Acusou o seu antecessor de ser incapaz de ir além de uma pequena vitória nas eleições europeias e convidou-o a demitir-se. Agora sofreu uma grande derrota – após ter dito que seria o homem certo para conseguir uma maioria absoluta – e agarra-se ao poder de um modo nunca visto na história da democracia portuguesa. Se António Costa tivesse um mínimo de dignidade política já não seria neste momento líder do PS. Para salvar a sua carreira política – e a verdade é que nunca fez outra coisa na vida senão política – está, aparentemente, disposto a levar o seu partido e o país para o desastre.

Ninguém tenha qualquer dúvida: se o PS fizer um governo apoiado pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda, Portugal será uma nova Grécia, e a troika estará de volta ao país antes do final do próximo ano. Sabemos que o PS tem o hábito de convidar o FMI para vir até Portugal, mas talvez fosse boa ideia evitar um quarto convite. Enquanto a nossa esquerda brinca “ao Borgen”, há desempregados, reformados e pobres para quem uma nova crise, semelhante à de 2011, seria trágica. Se Costa se preocupa com os que mais sofrem, como diz, deveria acabar com as brincadeiras e defende-los negociando com a coligação um orçamento mais “social-democrata” e menos “neo-liberal”. Essa será a única contribuição positiva para o país. Andar a negociar com a extrema-esquerda apenas aumenta as incertezas num momento em que Portugal, a Europa e o mundo sofrem enormes fragilidades.

Mas a “unidade da esquerda” se não fosse uma ameaça para Portugal, seria uma comédia. Costa acredita, aparentemente, numa convergência com o PCP e o BE, mas é incapaz de unir o seu partido à volta de um candidato presidencial. O título poderia ser o PS dividido a federar a esquerda. Para completar a “unidade” das esquerdas, no dia em que começou a negociar com o PS, o PCP apresentou um candidato a Belém. Se houver um governo da “maioria de esquerda”, quantos candidatos presidenciais essa maioria apoiará?

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Neste momento, só uma eventual candidatura de Guterres é que poderia salvar Costa do desastre presidencial. Mas se Guterres aceitasse candidatar-se e unisse os socialistas, passaria a ser o líder socialista de facto. Aliás, as eleições presidenciais tornaram-se um grande sarilho para Costa. A maioria do PS apoia Maria de Belém, e uma minoria, onde se encontra o líder, apoia Sampaio da Nóvoa. A possibilidade do PS se ausentar da campanha presidencial é uma ficção política (talvez inspirada nos momentos mais bizarros de “Borgen”). Mas o resultado das eleições de Janeiro não será uma ficção e adivinha-se mais uma derrota do PS (a não ser que Guterres apareça para salvar os socialistas). Conseguirá Costa resistir a uma segunda derrota eleitoral no espaço de três meses?

Parece que alguns dos conselheiros de Costa temem a “Pasokização” do PS se o partido apoiar um governo da coligação. Convém refrescar a memória destas senhoras e destes senhores. O PASOK não se transformou no PASOK por ter apoiado um governo de direita. O PASOK desapareceu porque os gregos o associaram à corrupção da oligarquia política grega, a jogos políticos sem qualquer respeito pelo povo grego e à incompetência governativa. Foi isto que desgraçou o PASOK. Se Costa acha que a transformação do PS no Syriza é a melhor maneira de evitar o destino do PASOK, está completamente enganado. De resto, o Syriza assinou um programa de austeridade que não se compara a nada que o PASOK tenha imposto aos gregos no passado.

Mas a primeira vítima da estratégia suicida de Costa é o próprio PS. Uma “maioria de esquerda” ameaça a credibilidade do PS como partido de governo e a sua orientação europeista. O PS perderia o que lhe resta do eleitorado da classe média que passaria em massa para o PSD. Esperemos que as vozes responsáveis e moderadas do PS falem, resistem e lutem. Portugal está a assistir a um combate pela identidade do PS como partido socialista democrata. Seria muito mau se esse PS desaparecesse numa coligação com estalinistas, trotskistas e revolucionários. Nem os criativos realizadores do “Borgen” conseguiram imaginar um episódio com um final tão dramático. Quem brinca ao “Borgen” pode acabar como a Grécia.