Parece que o Homem é um ser de hábitos. Desde o reconhecimento desta pandemia, geraram-se grandes e válidas preocupações entre os profissionais de saúde: saber como geriríamos as consultas de forma não presencial, como conseguiríamos cancelar agendas cirúrgicas e só operar o inadiável, ou como nos ambientaríamos num serviço onde outrora havia convívio, e, de repente, apenas bons dias atrás de máscaras (difíceis de decifrar para maus ouvidos).

No entanto, surpreendentemente, o problema inverteu. Habituamo-nos. Após uma luta árdua entre a saúde e o vírus (e a economia, não nos esqueçamos!), três estados de emergência decretados, infinitas publicações e notícias dedicadas à Covid-19 (e outras tantas tentativas de), os profissionais de saúde deparam-se agora com outras questões: “como vamos conseguir gerir as consultas presencialmente?”, “como vamos conseguir remarcar agendas cirúrgicas, operando também as situações não urgentes?” ou “como vamos conviver com os pares?”.

Talvez a resposta para o regresso gradual à vida pré-pandémica seja mais complexa que a reação à pandemia, uma vez que todos sabemos como atuar na nossa vida “sem-quarentena” mas ninguém sabe como fazê-lo entre o dia de hoje e a implementação da vacina (esperemos que seja este o limite temporal). Neste momento, sente-se a ansiedade dos cuidados de saúde. Procuram-se reformular métodos e tempo de consultas, distribuição das equipas para se cruzarem o menos possível, e rever quais os hábitos adquiridos durante a pandemia que devem ser mantidos.

Em particular, os Cuidados de Saúde Primários enfrentam um novo desafio: voltar à caraterística proximidade com os doentes, sem estar próximo. Para que isto seja possível, é necessário triar quais as consultas passíveis de serem realizadas presencialmente e quais serão conseguidas telefonicamente. Durante as consultas presenciais, terá de haver uma alteração na rotina dos profissionais, começando pela apresentação e cumprimento, agora mascarados e sem o toque inerente à profissão. Relativamente à duração de cada consulta, torna-se essencial a sua extensão (finalmente, após vários pedidos!), não para que possamos abordar o doente com mais tempo, mas sim para que possa haver uma desinfeção do espaço entre cada consulta. Será também imperativo que haja um esforço coletivo para manter os comportamentos adquiridos durante o estado de emergência: os pedidos de receita e a entrega de resultados de exames complementares de diagnóstico devem ser feitos via e-mail ou telefone.

Contudo, com tantos contatos virtuais, é fundamental que todos os profissionais se esforcem (ainda mais) para que durante as centenas de telefonemas dediquem alguns minutos a conversar com os doentes acerca das suas procupações, agora mais que nunca, de forma a desmistificar sensacionalismos televisivos e “facebookianos”, para lhes darem tranquilidade, para que se apercebam que não estão sozinhos (apesar de muitos estarem) e, assim, contribuir para a reconquista da sua confiança na saúde.

Por último, é levantada a questão do ambiente profissional. As reuniões de trabalho, lanche ou almoço têm de obedecer a determinadas regras. Devem ser tomadas as devidas precauções, como a distância recomendada, horários diferentes de almoço e fardas unicamente utilizadas no local. No entanto, fica o apelo para que não sejam extintas. Que se mantenham, pois para que a saúde dos doentes seja cuidada da melhor forma, a saúde dos profissionais tem de estar garantida, sendo a relação interpares um fator decisivo.

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