Quando falamos de doença crónica, como diria o bardo Portuense – vem-nos à memória uma frase batida: todas as doenças crónicas são iguais, mas algumas são mais iguais que outras, na adaptação livre de uma frase de outro marco cultural.

Nos últimos 40 anos assistiu-se a uma das maiores empresas da história da investigação médica. A descoberta de uma nova doença com desenlace, na altura, quase sempre fatal. A colaboração entre os vários sectores de investigação levou a incríveis progressos médicos, que possibilitaram transformar a infecção VIH de doença fatal em doença crónica, possibilitando, assim, vidas saudáveis, activas e socialmente produtivas às pessoas que vivem com VIH. Actualmente as Pessoas que Vivem com VIH (PVVIH) têm possibilidade de posicionar a infecção VIH como uma pequena parte das suas vidas.

Semelhante esperança de vida entre as pessoas sem infecção VIH e as PVVIH

Se a esperança de vida aos 21 anos de PVVIH em 2000 era de mais 35 anos (aproximadamente), actualmente esse hiato é de 57 anos (aproximadamente), sendo de 65 anos para as pessoas que vivem sem infecção VIH.  A pequena diferença, ainda existente, é consequência de vários factores: diagnóstico precoce da infecção, início atempado do tratamento, cumprimento do tratamento (que é crónico), nível de escolaridade, integração social, condição socioeconómica.

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Em 2022, a esperança de vida das PVVIH adultas é muito próxima da das pessoas sem infecção VIH.

Disparidade na esperança de vida livre de comorbilidades

Contudo, apesar de terem uma esperança de vida quase sobreponível à da população não infectada por VIH, as PVVIH podem ter um número mais elevado de comorbilidades, com diagnóstico temporão, em comparação com as pessoas sem infecção VIH.

No momento do diagnóstico, a percentagem de PVVIH que apresentam pelo menos uma comorbilidade é tangencialmente superior ao das pessoas sem infecção VIH. Dez anos após o diagnóstico a diferença situa-se em valor próximo do dobro. Resultando, esta condição, na diferença nos anos que cada uma das populações poderá esperar viver sem comorbilidades após os 21 anos: 30 anos para a população sem infecção VIH, 15 anos para as PVVIH. Neste caso, ter o dobro é mau! Revelando-se nas diferenças na Qualidade de Vida Relacionada com Saúde e na Qualidade de Vida, entre as PVVIH e as pessoas sem infecção VIH.

A Importância da Qualidade de Vida Relacionada com Saúde (QVRS)

Prévio às considerações sobre QVRS há que aclarar os “quês” e os “comos” que a definem. Vamos a isso!

O que é a Qualidade de Vida?

De modo conceptual pode-se definir Qualidade de Vida como a auto-percepção do enquadramento do indivíduo na vida. Esta definição parece demasiado lata, há que juntar as variáveis que condicionam o dito enquadramento:

Apreensões e Desassossegos (como diria o poeta); Cultura e Valores; Objectivos e Expectativas. No fundo, os “standards” individuais.

O que é a Qualidade de Vida Relacionada com Saúde (QVRS)?

Este símbolo, pausa em linguagem musical, é propositado. Caso tenham tido a gentileza de ler até este ponto, fica este convite à reflexão! Porque uma das melhores definições possível de QVRS é, a percepção pelo indivíduo do seu próprio bem-estar nos aspectos relacionados com a saúde. Reflectindo! Reparamos que neste ponto, a suiforme entorta o apêndice posterior, como quase tudo o que é individual tem dificuldade em tornar-se geral, com a QVRS não haveria de ser diferente: não existe uma definição de consenso para QVRS!

Como medir a Qualidade de Vida Relacionada com Saúde (QVRS)?

No entanto, se não a conseguimos definir de modo inequívoco, conseguimos medi-la. Paradoxos! Aportando definição à ambiguidade, existem instrumentos que permitem medir a QVRS.

Estes instrumentos, que detalharemos mais à frente no contexto da PVVIH, medem várias dimensões da vida. É só uma para cada um, mas como um bolo, com muitas fatias!

Assim, mede-se: Ansiedade e Depressão; Vitalidade e Produtividade, Mobilidade e Dor; Físico e Mental; Social e Individual

Academismos e pragmatismos juntos ou apartados, a conclusão é inquestionável: independentemente do género, da idade, da condição de saúde, da condição de doença, da condição social, elevada QVRS é um objectivo universal. Porque indivíduos com maior QVRS vivem vidas mais longas e mais produtivas, que contribuem para a economia, que simultaneamente consumem menos recursos relacionados com os cuidados de saúde. Em suma, Elevada QVRS a nível individual contribui para a prosperidade social!

A Qualidade de Vida Relacionada com Saúde (QVRS) nas Pessoas que Vivem com VIH (PVVIH)

De modo simples, pode-se apontar a supressão do vírus no organismo como um dos objectivos principais do tratamento da infecção por VIH. Conseguir e manter a supressão do vírus permite, entre outras coisas, que a PVVIH recupere a sua condição imunitária e anule o risco de contrair uma infecção oportunista. Estes factores têm consequências benéficas a nível individual – “ausência de doença”, diminuição do auto-estigma – com reflexão a nível social, as PVVIH com o vírus suprimido não transmitem o vírus!

Nos últimos anos, colossais avanços na investigação médica permitiram que as PVVIH usufruíssem dos efeitos da inovação terapêutica. Ao ponto de, no caso específico de Portugal, 93% das PVVIH que se encontram em tratamento, tenham o vírus suprimido no seu organismo.

Nem tudo são rosas!

Apesar desta nota positiva, as PVVIH têm níveis mais baixos de QVRS e de Qualidade de Vida em comparação com os das pessoas que vivem sem infecção VIH.

O Peso das Comorbilidades das PVVIH na QVRS

Como mencionado, as PVVIH têm um número mais elevado de comorbilidades, e com diagnóstico em idades mais prematuras, em comparação com a população sem infecção VIH. Acarretando carga mais elevada de co-medicação. Por muito que nos habituemos, ninguém gosta de tomar remédios e menos, ainda, de estar doente.

Felizmente as PVVIH têm uma esperança de vida muito próxima da população sem infecção VIH. Será de esperar serem afectadas pelas mesmas “doenças dos tempos modernos”. Contudo, a doença cardiovascular, a doença renal, os distúrbios metabólicos são mais prevalentes e em idades mais jovens nas PVVIH. Afectando negativamente a QVRS das PVVIH.

Este é um texto de opinião pessoal. As posições expressas não vinculam ou espelham as posições da empresa para a qual trabalho. O autor escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico.