Até há poucas semanas, os desencontros entre os dois principais accionistas do BPI eram um assunto do foro privado. Um ano de negociações entre o CaixaBank e Isabel dos Santos não tinha produzido qualquer resultado e o impasse parecia estar longe de ficar resolvido. Sobre o banco, pendia a ameaça de ter de começar a pagar multas pesadas por não haver uma solução que permitisse reduzir a exposição ao mercado angolano, como exige o Banco Central Europeu. Mas, milagre, entrou em cena a artilharia pesada do poder político português e o assunto pareceu ter entrado nos carris. Mesmo em cima da hora.

Pareceu. Porque, afinal, o comunicado em que a administração do BPI anunciou, há oito dias, que as conversas entre espanhóis e angolanos tinham sido concluídas com “sucesso”, não era para ser levado a sério.

É certo que foi publicado no site oficial da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, o que lhe emprestou credibilidade. Também é certo que o primeiro-ministro se regozijou, orgulhoso nas suas capacidades de diálogo e de erguer consensos, de ter ajudado a conduzir a bom porto um processo que estava encalhado. E a memória ainda está bem fresca, dispensada de exigir esforços hercúleos, para recordar que até Marcelo Rebelo de Sousa festejou o bonito esforço de todos os que estavam envolvidos e, ainda, daqueles que se decidiram envolver.

“Foi obra da intervenção dos privados, das entidades reguladoras e dos órgãos do poder político. Sem a intervenção de todos não teria sido possível chegar onde se chegou”, afirmou o Presidente da República. E onde se chegou? À estaca zero. Melhor, a valores negativos, porque um nó que tinha de ser desatado por duas entidades privadas está, agora, transformado num assunto de Estado que amarra, sem dó, nem piedade, o topo do poder político nacional. Do palácio de São Bento ao de Belém. E que, como se ficou a saber com a notícia da ruptura do acordo que não o era, acabam de ser enxovalhados como preço a pagar por um voluntarismo ingénuo. No mínimo.

São legítimas, e fazem parte das suas obrigações, as preocupações de António Costa e de Marcelo Rebelo de Sousa com a estabilidade do sistema financeiro, sobretudo num cenário, pouco agradável, em que os bancos portugueses enfrentam graves dificuldades, por culpa própria e da conjuntura económica. Mas a atracção pelo abismo, justificada por motivos políticos, já não se aceita. Como se constata, quando o poder político se intromete em negócios privados, o risco é o de que se abram as portas para a asneira.

O labirinto das relações difíceis entre os acionistas do BPI transferiu-se para o Governo e para o Presidente da República. António Costa já veio afirmar que o tema transcende, agora, a sua capacidade de intervenção. É tarde para sacudir a água do capote. Se o banco se vir forçado a suportar as coimas que o BCE prometeu, o assunto deixou de estar na mera esfera das relações entre um regulador e um regulado. Aterrou em cima da secretária do primeiro-ministro, por iniciativa própria, e transformou-se num fardo que lhe vai pesar sobre os ombros, quer queira, quer não. É o que sucede quando se quer ser dono disto tudo, mas sem medir o alcance das potenciais consequências.

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