Durante este ano, muito se tem falado da dificuldade das elites europeias ouvirem os cidadãos, tentarem perceber as suas ansiedades e ir de encontro dos seus receios. Um think-tank europeu, o European Council on Foreign Relations, tem vindo a desenvolver o projeto – Unlock Europe’s Majority – que consiste exatamente em fazer estudos de opinião que permitam perceber, de forma mais clara, o que se pode fazer para que as instituições saiam do impasse difícil em que estão mergulhadas.

Os inquéritos são sobre os mais variados temas. Recentemente, comparando estudos de opinião de 14 estados-membros, chegou-se à seguinte conclusão: o fenómeno da “tribalização” – já vamos às explicações mais detalhadas – é pouco expressivo na Europa. O que caracteriza a maioria dos países é a fragmentação e a ausência de lealdade partidária.

A tribalização da política – que a nível Europeu apenas se verifica no Reino Unido e na Polónia – refere-se à divisão das sociedades em dois polos que subscrevem duas agendas políticas opostas e incompatíveis – não pode haver Brexit e Bremain ao mesmo tempo, nem uma sociedade marcadamente liberal ou marcadamente nacionalista em simultâneo. Aí, os aderentes (e eleitores) de cada campo correspondem a um determinado perfil sociocultural facilmente identificável. O drama principal destas situações políticas é a tendência para a radicalização dos opostos, o que leva a grandes dificuldades em ultrapassa-los sem alguma forma de rutura social.

No entanto, não é isso que vemos na maioria dos países europeus. Nestes, o que se passa é uma fragmentação em que os partidos tradicionais se esvaziam de eleitorado que vai à procura de alternativas. Os números constatam, sobretudo, diversidade entre os estados europeus. Cada caso é um caso. Mas uma análise qualitativa destaca dois elementos comuns a todos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O primeiro é que a paciência dos eleitores acabou. Isso verifica-se na mudança de intenção de voto (ou voto expresso) para o extremo oposto. O caso mais preponderante é a transferência do apoio dos partidos sociais-democratas para partidos nacionalistas muito conservadores ou partidos de direita radical. Se por um lado a explicação reside no facto de os partidos alternativos terem um discurso que atrai a classe trabalhadora que se sente esquecida pelos incumbentes ou oposição da esquerda tradicional, por outro parece não ser menos verdade que os eleitores procuram a força política oposta à do partido em que votariam numa situação normal. Os eleitores não querem menos que uma mudança radical. Não só das políticas, mas também da forma como os partidos fazem política.

O segundo é que desta mudança tão extrema resulta a falta de lealdade política. Por outras palavras, os novos partidos nos extremos do espectro político não têm um eleitorado fiel. Salvo as devidas diferenças – leia-se contextos nacionais que desencadeiam determinados discursos políticos – estes partidos oportunistas que usam o populismo para esconder as suas verdadeiras causas, ou para as tornar atraentes a eleitores preocupados com o futuro (mas não necessariamente xenófobos, anticapitalistas ou antieuropeus) tem eleitores igualmente oportunistas.

Ainda que isto diga muito da saúde das nossas democracias e pouco das causas profundas destes fenómenos (que são reais e estão em grande medida relacionadas com os fracassos políticos das últimas décadas), a boa notícia é que, enquanto o oportunismo é a moeda de troca, os partidos tradicionais têm tempo (ainda que curto) para se reinventar. Até porque, como mostra o caso da Hungria, que passou por um período de fragmentação, o poder e as lealdades podem consolidar-se em propostas iliberais caso as propostas liberais são sejam suficientemente aliciantes.

Não costumo olhar para as crises e chamar-lhes oportunidades; uma crise é uma crise e a história diz-nos que muda muito o caracter de um estado e quase nunca para melhor – a não ser que seja uma crise devastadora, mas essas não são geradas pela fragmentação mas sim pelo tribalismo e à custa de muito sofrimento humano. Mas desta vez, o que está em causa é entregar a democracia aos seus inimigos. E nestes casos, todas a oportunidades de reforma (vindas de crises ou não) são poucas.