Na sessão de abertura do recente Congresso Internacional sobre tecnologias da comunicação o Presidente Cavaco Silva disse o seguinte: “Esta nova economia está a convergir progressivamente para a economia física e a fronteira entre ambas será cada vez mais difícil de estabelecer. Por isso, os caminhos da prosperidade estarão abertos para aqueles que melhor compreenderem e anteciparem como se irá processar o cruzamento entre o mundo físico e o mundo digital”.

Na mesma linha do Presidente, a Grande Transição que se anuncia é aquela que nos conduzirá dos territórios-zona (T-Z) aos territórios-rede (T-R), isto é, dos fixos para os fluxos, dos imóveis para os móveis, do poder vertical para o poder lateral, da propriedade para o acesso e do produto para o serviço, da mobilização de novos recursos para a mobilização de recursos ociosos, da sociedade hierárquica para a sociedade interpares, do comunitarismo clientelar para a comunidade colaborativa.

Vivemos ainda na chamada “logística dos territórios-zona”: a logística partidária, a logística eleitoral, a logística municipal, a logística administrativa, a logística sectorial, a logística associativa, a logística sindical, a logística clientelar, a logística identitária, a logística publicitária e propagandística; todas são “logísticas de fronteira” tendo em vista a inclusão-exclusão, isto é, a lógica de vigiar e punir, e todas são concebidas para premiar a subordinação e punir a desobediência, todas são concebida pelo poder vertical para reproduzir o território-zona. Os custos de transação destes T-Z são religiosamente vigiados pois eles são uma fonte privilegiada de lucro no sistema em que vivemos.

Quanto aos T-R, ninguém sabe ao certo como acontecerá, em cada caso, esta fusão entre o mundo físico e o mundo digital. Sabemos apenas que o mundo digital vai absorver progressivamente o mundo físico, que esta fronteira é cada vez mais porosa e movediça e que esta transição irá afectar a constelação de poderes, de todas as dimensões, que estão há muito acantonados nos territórios-zona. Veja-se, por exemplo, o caso UBER, e a procissão ainda só vai no adro.

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Há, de facto, uma revolução silenciosa em curso e a velocidade das conexões é de tal ordem que vivemos uma espécie de multiterritorialidade permanente. Por outro lado, todos os dias são concebidas novas empresas tecnológicas que criam novas aplicações e funcionalidades e novas redes colaborativas são geradas que põem a ridículo muitas das funcionalidades do modelo anterior, isto é, do velho e anacrónico mundo industrial.

Todavia, no mundo digital e no universo “APP” é preciso, porém, não atirar fora a água do banho com a criança dentro. O deslumbramento é enorme, a sedução é permanente, mas não podemos contornar a principal dúvida da Grande Transição: como transitar das comunidades online para as comunidades offline, de regresso às comunidades de pessoas reais e, também, como inverter as cadeias de valor a que estamos habituados, criando, agora, valor da economia imaterial para a economia material? Dito de outro modo, a economia material não pode ficar refém da economia virtual e duma perversa distribuição de valor no interior da “nova cadeia de valor”.

Pelo que fica dito atrás, é urgente que discutamos o que fazer com duas potenciais vítimas da virtualização da sociedade: o modo como ocupamos um território cada vez mais “desertificado” e o modo como organizamos um mercado de trabalho cada vez mais “desempregado”. Se a revolução tecnológica abre um campo imenso de possibilidades e oportunidades é prudente e sensato que entre elas se promovam duas outras “pequenas revoluções”: em primeiro lugar, ao lado de uma economia de produtos globalizada é necessário criar uma economia de recursos “relocalizada”, em segundo lugar, ao lado de uma economia do emprego estandardizado é necessário criar uma economia do trabalho feita por medida, num universo laboral onde o fracionamento do mercado de trabalho, a pluriactividade e o plurirrendimento passem a ser uma norma social plenamente reconhecida. Há muito trabalho a fazer nestas duas áreas. Neste particular, os T-Z, demasiado maduros e conservadores, já estão a jogar à defensiva, os T-R, ainda verdes e muito impulsivos, são uma promessa que busca reconhecimento e legitimidade.

Professor da Universidade do Algarve