Estou plenamente convencido que se este mesmo Orçamento do Estado tivesse sido apresentado pela coligação PSD/CDS ele seria genericamente muito mais bem recebido pelos mercados, agências de rating e Comissão Europeia. Esta faria certamente comentários semelhantes aos que está a fazer – é arriscado, não chega para baixar o défice como prevê e serão, muito provavelmente, necessárias medidas adicionais para o cumprir. Comentários semelhantes foram feitos, aliás, aos últimos orçamentos portugueses. E os exames trimestrais que a troika fez durante cerca de três anos estavam cheios de considerações do género.

Mas esses comentários seriam vistos com uma certa normalidade e sem a leitura de fricção que os avisos de Bruxelas estão a provocar.

Qual é, então, o fenómeno? Porque é que um Orçamento que prevê uma redução do défice para 2,2% e menos uns pontos de dívida pública, que incorporou à última hora quase 700 milhões de euros de medidas em obediência a Bruxelas, que aumenta impostos e que adia medidas que eram dadas como imediatas está a ser recebido com desconfiança? Porque é que os juros portugueses estão a subir muito mais do que os de outros países, arriscando o normal financiamento do país?

A resposta parece evidente.

Primeiro, os socialistas carregam consigo o seu curriculum de despesismo e de desvios orçamentais. Podemos argumentar e fazer algumas contas para tentar provar que o proveito que tiveram nestas práticas sem mérito é menor do que a sua fama.

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Mas, e este é o segundo ponto, o discurso é muitas vezes tão ou mais importante do que a acção. E os socialistas passaram os últimos quatro anos a vincar a sua oposição às medidas para baixar o défice e tornar sustentável a dívida pública.

Por fim, formar um governo que só o é porque tem o apoio de dois partidos que consideram que a dívida do Estado não é sustentável e deve ser reestruturada é um dos piores cartões de visita que se pode apresentar aos que se emprestaram ao país e esperam, naturalmente, ter o seu dinheiro de volta. Ou esperavam que os credores se mostrassem disponíveis a emprestar mais a juros baixos a quem, no fundo, está convencido que não deve devolver tudo o que pediu?

Este é um jogo de confiança e esta mais depressa se perde do que se ganha.

Foi isso que Passos Coelho percebeu em 2011, quando o país estava financeiramente desacreditado. Aí não havia PSD ou PS, direita ou esquerda. Havia governantes portugueses, vistos como delinquentes orçamentais. Goste-se ou não do estilo, o “ir para além da troika”, o “cumprir custe o que custar” e a permanente disponbilidade para encontrar novas medidas que mantivessem o défice em rota descendente ajudaram a baixar os juros, a restabelecer a confiança perdida e a regularizar a capacidade de financiamento autónomo do país. Depois de dois anos disto, dito e feito contra tudo e contra todos, e muitos começaram a acreditar.

Os comentários que ouvimos nas últimas semanas sobre o caminho feito – da boca de Merkel, de responsáveis comunitários e de analistas financeiros – são disso a melhor prova.

Perante isto, o governo de António Costa precisa de fazer o dobro ou o triplo dos esforços, dos cortes e das juras de rigor orçamental para convencer parceiros europeus e credores internacionais que está a falar a sério.

Há esforços reais nesse sentido e já se percebeu que este governo não desafiará as regras europeias mais do que precisa para uso interno cá no rectângulo. Quando Mário Centeno se compromete a tomar mais medidas para corrigir desvios – embora diga que não serão necessárias, como é normal a quem acabou de entregar o seu orçamento no Parlamento – é isso que está a dizer.

É injusto? Há uma exigência adicional perante este governo? Há um “complot” dos mercados, dos jornalistas – que de repente, para algumas mentes, se tornaram todos de direita – e de Bruxelas?

Não. Há uma coisa simples: o PS, o PCP e o BE estão a ser vistos e avaliados como eles próprios querem ser vistos e avaliados, estão a ser levados a sério naquilo que sempre disseram que querem fazer.

O rigor orçamental e as boas contas estão para os socialistas e para a esquerda como a redistribuição e as políticas sociais estão para o PSD e para a direita. Por mais que o anunciem e o façam achamos sempre que há truque e que estamos a ser enganados.

Da mesma forma que António Costa pode dizer para fumarmos menos, andarmos mais de transportes públicos e endividarmo-nos menos sem soar a Oliveira Salazar também pode jurar rigor nas contas que nunca o tomaremos por Wolfgang Schauble.

Diz-se com frequência que em política o que parece, é. Pois é.

Jornalista, pauloferreira1967@gmail.com