Depois de assistir online ao chumbo dos projectos que pretendiam a despenalização da eutanásia estou feliz mas o momento é efémero. No dia 29 de Maio de 2018 apenas se adiou uma solução desumana! Falta resolver o problema que fundamenta esta ideia. Agora, e agindo na mesma convicção com que já falei e escrevi sobre este tema, falta fazer o mais importante.

Hoje, mais do que nunca, acredito que, a mesma sociedade civil que se mobilizou contra a Eutanásia, tem a responsabilidade de não ignorar estes doentes em sofrimento e organizar-se para exigir o fim da obstinação terapêutica e a criação de uma rede de cuidados paliativos nacional. Se não o fizermos, a votação de hoje foi em vão!

É preciso compreender que o que fundamenta a ideia do recurso à eutanásia é o sofrimento agonizante de muitos milhares de Portugueses. Se agora cantarmos vitória e seguirmos em frente sem mais nada fazer, será um enorme acto de desumanidade.

Uma grande parte destes doentes são aqueles cujas patologias já não têm solução médica curativa e a quem indevidamente é proposta (e muitas vezes imposta) uma terapêutica que nada fará para os curar mas que traz dor e agonia.

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Temos de parar esta obstinação terapêutica (ou distanásia): querer impor a doentes terminais (sobretudo os oncológicos) tratamentos que já não podem reverter o curso da doença e que só causam dor desnecessária, desmesurada e desproporcionada. Quando já não se pode curar a doença, tem de se continuar a cuidar o doente!

Vamos sim tratar aquilo que podemos: a dor em primeiro lugar. Vamos dar qualidade de vida e conforto. Isto continua a ser um acto médico! Muito necessário, urgente e humano! Agindo com bom-senso e a humildade de se perceber quando devemos parar as medidas curativas e passar às medidas paliativas. Os médicos não podem salvar todos os doentes e é necessário aceitar esta ideia com realismo, percebendo que, mesmo assim, há muito que a medicina pode e deve fazer.

Infelizmente como doente e como Patient Advocate percebi há muitos anos que não basta apelar ao bom-senso e humanidade dos profissionais de saúde. Até porque somos seres imperfeitos e, na tentativa nobre de querer salvar um doente que não pode ser curado, é normal querer fazer tudo o que for possível para o salvar.

E dessa vontade obstinada surgem os tratamentos desajustados e os milhares de casos de doentes que agonizam com “uma última quimioterapia paliativa” só para se mostrar ao doente que não se desistiu dele. E isso custa milhões ao Estado todos os anos. O doente fica com uma falsa ideia de que tudo está a ser feito para o salvar e sofre “mais um bocadinho” na vã esperança de se salvar. Isto não é boa medicina. Não é sério nem ético e tem de acabar!

É urgente criar um sistema de verificação que reavalie terapêuticas e que permita a um grupo de médicos menos directamente envolvidos no tratamento do doente, a capacidade de avaliar o conjunto: o que é melhor para o doente em primeiro lugar, se o que é proposto sendo agressivo e doloroso se justifica e, não menos importante, ouvir o que doente quer para si. E muitas vezes o doente não quer mais tratamentos: tem esse direito e devemos respeitá-lo.

Tenho lido muitos comentários de doentes que dizem que há dores que não se podem resolver. Repito que é possível fazê-lo em medicina mas sei que infelizmente não está a ser feito em inúmeros casos.

Alargar a rede nacional de cuidados paliativos é o outro passo que falta dar. Naturalmente que não se faz do dia para a noite! Mas os recursos já os temos! Se tudo o que pela boa prática médica retirarmos à obstinação terapêutica (e que só na oncologia por ano são muitos milhões) e utilizarmos na criação desta rede, então podemos começar hoje!! Poupemos então recursos em terapias inúteis e desumanas e usemo-los para dar qualidade de vida e conforto aos doentes em fim de vida.

Mas o maior desafio está em parar a distanásia. Se não o fizermos, estaremos de novo (e em breve) perante projectos de lei que nos propõem a Eutanásia como a solução para o sofrimento.

A sociedade civil organizou-se e saiu à rua para dizer não à Eutanásia. É preciso agora, também, dizer não à distanásia.

Patient Advocate