Há cerca de um mês, o Parlamento Europeu (PE) apresentou um relatório que demonstrava que a Hungria estava a violar séria e persistentemente os valores da União. Esta conclusão desencadeou a votação de uma recomendação para se aplicarem medidas disciplinares contra a Hungria, ao abrigo do artigo 7º do Tratado da União Europeia.

Há dois esclarecimentos que é preciso fazer. Em primeiro lugar trata-se de uma recomendação. O PE não tem poderes para implementar as sanções. Terá que ser o Conselho Europeu a votar unanimemente para que seja desencadeado o processo e mais tarde o mesmo órgão terá de o aprovar por maioria qualificada. Apesar de o relatório do Parlamento se referir a violações à liberdade de imprensa, à liberdade académica, à independência judicial, a irregularidades no sistema eleitoral, a mudanças na Constituição e à violação dos direitos das minorias, refugiados e migrantes, e ainda que se saiba que há, de facto, desrespeito por estes valores, é pouco provável que o processo ultrapasse esta fase, uma vez que dificilmente o Grupo de Visegrado, especialmente a Polónia, aceite deixar que chegue a tomar forma.

Segundo, uma vez que este artigo nunca foi acionado, é difícil saber ao certo que tipo de castigo poderá sofrer a Hungria por violar vários princípios da União Europeia. A imprensa refere a perda do direito de voto, mas também vai dizendo que o texto legal é vago.

Assim, tudo indica que esta tomada de posição do Parlamento Europeu não tenha consequências práticas. No entanto, a votação foi suficientemente expressiva – 448 a favor e 197 votos contra – para se perceber que se criou um precedente que pode ter consequências graves.

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Se num primeiro momento nos pode parecer natural que o PE queira suster os valores fundadores do projeto europeu perante um conjunto de ameaças ideológicas nacionalistas, há alguns elementos importantes a ter em conta. Em primeiro lugar, o número de membros do parlamento que se opuseram a este processo é quase 200. Dos 693 membros presentes, mais de 28% votaram contra, mostrando que esta minoria não deixa de ser expressiva. Não quer dizer que todos os 197 apoiem Viktor Orbán, quer dizer que mesmo que não estejam de acordo com o seu programa nacionalista, reconhecem que manter a Hungria integrada é melhor do que criar uma clivagem desta natureza.

Porquê? Porque Orbán fez exatamente o que se previa. Vitimizou-se. Como qualquer populista competente, tratou de dizer que o Parlamento Europeu estava a atacar a Hungria (e não a ele) e que iria proteger a sua população nem que fosse contra a UE.

As duas consequências imediatas são as seguintes: Orbán tornou-se um símbolo de uma espécie de resistência nacionalista. A resposta do líder húngaro perante este veredito do PE tornam-no num exemplo a seguir por um conjunto de forças políticas anti-europeias cada vez mais populares um pouco por todo o continente.

Segundo, se Orbán já tinha sido visto várias vezes ao lado de líderes como Jarosław Kaczyński,Matteo Salvini e Marine LePen, os encontros entre líderes de partidos que oscilam entre o nacionalismo iliberal e o extremismo tem-se multiplicado, com direito a conferências de imprensa finais em que tornam explícito que pode vir aí uma qualquer forma de cooperação entre eles. Quem sabe, uma nova família política no Parlamento Europeu.

Todos sabemos que a Europa já passou por melhores dias. E que Orbán quebra, há anos, os valores que muitos de nós (eu inclusive) consideramos fundamentais e inalienáveis dentro do nosso espaço geográfico. E que alguma coisa tinha de ser feita. Mas ao apontar o dedo ao líder húngaro, o Parlamento Europeu também expôs duas das maiores fraquezas da União Europeia: que está a falhar num dos seus mais importantes desígnios – promover e criar condições para a manutenção e o aprofundamento da democracia – e que pouco aprendeu sobre o fosso que existe entre as instituições europeias e os cidadãos europeus.

Sancionar em vez de tentar compreender e inverter estes fenómenos por dentro tem o duplo potencial de revoltar as populações visadas (ou que sentem que podem vir a ser visadas num futuro próximo) e de criar um efeito dominó (há muitos líderes de partidos por essa Europa fora que farão deste episódio uma bandeira de uma alegada intolerância da parte das instituições) a menos de um ano de eleições.

É difícil estar contra a posição do PE. Afinal é a posição certa para quem acredita no projeto europeu. Mas ao mesmo tempo não podemos ignorar as consequências de uma medida que tem o potencial de dividir, cada vez mais, uma Europa já suficientemente fragilizada e fragmentada.