Disse-o de início, e sublinhei em jornal (neste mesmo jornal) e em todos os canais televisivos onde fui que o único critério de vacinação, central e único, devia ter sido o da idade. Talvez tenha dito isto cedo demais, mas em todo o caso fomos, logo depois, rapidamente absorvidos por um plano de vacinação cheio de critérios, exceções e, não menos, histórias para contar. Más histórias. Pena é, que o plano de vacinação não seja senão um plano de operações e logística e que, de saúde, apenas tenha alguma coisa quando chega ao braço de cada um. Tudo o resto, até lá chegar, é outra história. Finalmente, e passados alguns meses, tornou-se hoje mais claro para todos essa característica do plano. Felizmente.

Exceção para os profissionais de saúde da linha da frente e para os governantes do país – onde apenas incluí ministros, Primeiro-Ministro, Presidente da República e Presidente da Assembleia da República – uma vez que todas as demais pessoas deveriam ter seguido o critério idade sem quaisquer exceções. Mesmo as exceções com morbilidades associadas? Sim, porque a fronteira entre mais e menos grave nessas co-morbilidades é ténue e tudo se presta a pouca disciplina e a muito oportunismo. Como, de resto, se viu. A agravar isto, as morbilidades associadas correlacionam muito positivamente e em perigosidade com a idade do tomador da vacina.

Dito isto, com mais de três milhões de inoculações em Portugal, iríamos hoje, com uma toma a cada vacinado, no escalão dos 50 a 59 anos e não no escalão dos mais de 70 anos. Mais ainda, com esta abordagem poderíamos ter feito a única correlação que de facto importava: quem morreu versus a idade que tinha. E estaríamos a vacinar hoje o último grupo que realmente morre de Covid-19.

E isto serve para quê? Pouco ou nada, a não ser para dizer que o único critério importante é a idade. E que todos os critérios, além da idade, podem ser interessantes, mas não são importantes. E entre o interessante e o importante vai uma grande diferença. Sobretudo em vidas humanas.

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Veja-se o critério da vacinação de docentes e afins. Pode-se alegar que é interessante usar este critério, uma vez que permite abertura de escolas (se fossemos pela idade chegávamos a melhores resultados, protegendo os mais velhos e abrindo igualmente escolas) e um funcionamento regular das atividades letivas presenciais, fator absolutamente crítico para o desenvolvimento saudável de crianças e jovens. Se concordo que é essencial a abertura das escolas? Claramente. Se concordo com a necessidade de colocar a conviver crianças e jovens? Totalmente. Mas, repito, podíamos proteger quem morre, abrindo na mesma as escolas.

É simples. Com quatro milhões e quatrocentas mil doses teríamos vacinada a população toda que morre. Tínhamos acabado o escalão 60-69 anos. E estaríamos hoje a vacinar no escalão dos 50 aos 59 anos, que contém 1,4 milhões de pessoas. Mais, estaríamos com um grau de imunização à morte substancialmente diferente. E uma preparação para a operação verão, por exemplo no turismo, substancialmente diferente. Porque, nesta matéria e desculpem-me os leitores, não há valor mais importante do que o valor da vida. E há que preservar vidas humanas.

Aqui chegados, perguntam-me porque escrevo este texto? Porque descubro, infelizmente e novamente, que nem os próprios critérios de exceção são bem aplicados. Então querem-se abrir as escolas e não se querem abrir as universidades? Então acha-se que o ensino superior é um parente pobre do ensino global? Então pensa-se que o desenvolvimento de jovens profissionais que são apanhados por uma pandemia e com aulas online não tem tanto impacto em comportamentos, em maturidade, em experiências de vida como nos demais? E, com isso, privam-se os estudantes do superior – porque há docentes a recusarem-se a dar aulas presenciais – do mesmo convívio, partilha e necessário crescimento que, a outro nível, se defende para o ensino básico e secundário? Onde está a rácio desta tomada de decisão? Há alguma cientificidade nisto?

Não há. Há apenas, como dirão alguns e porque estou no superior, corporativismo. Mas até nisso se enganam. Por isso, escrevi a primeira parte do artigo. E fui dos primeiros, e continuo a ser, contra a vacinação de docentes. Porque sempre defendi a idade como critério dos critérios.

Mas já agora deixo a questão, porque tenho de deixar, sobre desde quando é mais importante para o saudável desenvolvimento do ser humano e dos seus comportamentos e socialização o ensino básico e secundário do que o superior? Ou será o ensino superior coisa elitista? Coisa que não queremos para o nosso país? Que hostilizamos para os nossos jovens adultos e seus comportamentos?

Um dia alguém escreverá a história deste processo de vacinação. E perguntará, e com razão, porque o ensino universitário não reabriu em pleno e concluirá que os seus docentes não são bem docentes e os seus alunos não são bem alunos. São uma espécie de derivados pobres do sistema de ensino e de nada servem.

Pensava eu, que, apesar de não poder defender o critério docentes (porque para mim não é critério e desculpem-me todos os colegas), que, a vacinar docentes, fosse para todos os graus de ensino, universidades incluídas. Enganei-me.

O que se quer dizer com isto é que o ensino superior pode ficar para segundo plano, pois nós, Portugal, nas estatísticas do superior estamos sempre bem: estamos abaixo da média europeia, bem abaixo em escolarização superior da população, temos menos 5 pontos percentuais que a média da Europa a 27 (e comparamos mal os nossos parcos 26% com os mais de 40% dos países europeus mais desenvolvidos) e não nos importamos de infligir novo golpe ao que deveríamos preservar, acarinhar e engrandecer.

É triste que daqui se conclua que os docentes do superior apenas querem ser vacinados por razões corporativas. Porque talvez uma das razões pelas quais queiram ser vacinados seja a de estarem fartos de serem considerados assimétricos no tratamento (o que não deixa de ser uma razão forte). Mas a principal, a principal não é essa e é só uma: estamos a dizer ao mundo e ao restante Portugal, que o ensino superior e os nossos jovens adultos são tão desnecessários ao país que não devem sequer ter aulas presenciais. Que a única coisa que nos importa é o básico e o secundário. Porque nos basta pouco, poucochinho. E porque os outros jovens, os jovens mais adultos, enfim, devem seguir para fora de Portugal já – tem sido fértil este pensamento – se quiserem melhor do que o que por cá fazemos.

Podia dizer muita coisa relativa a isto. Fico pelo é triste. Muito triste.