É certo que em Nice morreram crianças que viam o fogo de artifício rodeadas da família. As crianças corriam já os mesmos riscos que os adultos. Os atentados terroristas visavam realidades que não lhes são estranhas. Por mim e pelos meus, já me sentia tocada. Passei o dia do atentado de Bruxelas a rever uma fotografia do meu filho mais novo, naquele aeroporto, na sua versão de dois anos de idade passeando o urso de peluche entre as portas de embarque. Em dezembro passado, no dia do ataque terrorista ao mercado de Natal em Berlim, estava em Milão com os miúdos e visitámos o mercado de Natal ao lado do Duomo. No resto da viagem, apesar de o hotel ser perto, não voltei ao dito mercado.

Mas o atentado de Manchester marcou uma degradação moral (sim, ainda era possível) nos atentados terroristas, ao tomar como alvo preferencial crianças e adolescentes, maioritariamente raparigas – pormenor que não é de somenos. (Até os iníquos terroristas de Beslan evitaram matar crianças.) Não vou qualificar ou tecer considerações. Qualquer pessoa dotada de uma gota de decência entende a malignidade do ato. Pelo que sejamos práticos. Reconheçamos que o terrorismo islâmico escalou um patamar do qual não há retorno. E – mais importante – questionemos como pretendem as autoridades a partir de agora assegurar a segurança dos nossos filhos.

Verdade: os atentados em pequena escala são sintoma de uma maior eficácia dos serviços de informações e segurança no combate ao terrorismo islâmico. Mais: tal como Stanley Baldwin dizia dos bombardeiros, algum terrorista irá sempre passar. Mas nada disto implica ver os atentados como uma inevitabilidade. Recuso o ‘acostumemo-nos’. (Os britânicos também não prescindiram das baterias antiaéreas ou dos Spitfires.) Se é praticamente impossível impedir um jihadista com um carro de abalroar umas dúzias de pessoas, já não se compreende, com a presente ameaça, a falta de segurança em determinados eventos que juntam milhares de pessoas. Em se tratando de crianças, menos se perdoa. Em certos recintos de espetáculos é proibido vender uma garrafa de água de plástico com tampa, ou latas de refrigerantes não abertas. Provavelmente haverá fiscais da ASAE (e das suas primas europeias) vigiando diligentemente para que uma lata de ice tea fechada não seja projétil para a cabeça de ninguém. Mas entrar nesses eventos com explosivos – aparentemente é à vontade.

Eu sei. Quando se refere esta necessidade de controlo de segurança, logo se levantam os que gostam de princípios abstratos sem cuidar da aplicação desses princípios abstratos à realidade. Clamam aquela velha máxima de, prescindindo da liberdade pela segurança, terminarmos sem nenhuma. Esta máxima é muito bonita, mas é uma treta. Porque sem segurança também não há liberdade. Se não tiver razoável segurança de que não me farão explodir num avião ou comboio, não tenho liberdade de circulação para grandes distâncias. Sobretudo não tenho liberdade de viajar com os meus filhos. Se não tenho confiança nos procedimentos de segurança adequados num concerto, não tenho liberdade para levar os meus filhos a esse concerto. Nem, de resto, para ir eu, porque me parece fazer parte das tarefas de uma mãe consciente tentar que os filhos não fiquem órfãos.

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Estas indignações são, para mim, exercícios diletantes inúteis. Toda a gente percebe que ao entrar no Prado, para proteger obras de arte, seja necessário passar por um detetor de metais e pela revista de carteiras e mochilas. Mas fazer o mesmo para proteger pessoas? Ai jesus, que estado securitário.

Confesso que não vejo muito mais que se possa fazer para proteger os nossos filhos que aumentar procedimentos de segurança. Não tenho grandes ilusões com os responsáveis políticos atuais. O terrorista de Berlim já havia estado sob vigilância e, inclusive, a Alemanha tentara extraditá-lo para a Tunísia. Mas como a Tunísia usou todas as manigâncias para não o receber (compreensivelmente), permitiu-se que um islâmico potencialmente perigoso ficasse pela Alemanha (e por onde Schengen permitisse) à solta, que, pobrezinho, se a Tunísia não o quer, não podia ficar apátrida. Tudo (incluindo mortos num mercado de Natal) menos isso. Agravos a um radical potencialmente mortífero é que não. Que civilização é esta que prefere proteger direitos de potenciais terroristas a proteger a nossa segurança?

Tirar cidadania a quem se alia a inimigos do país (como o ISIS)? Anátema. Investigar quem viaja para os ninhos do ISIS ou similares e, se preciso, impedir a entrada? Socorro. (A criatura de Manchester regressara da Líbia há dias.) Parar de atribuir nacionalidade automaticamente aos filhos de imigrantes que nascem na Europa? Nem pensar.

Em Inglaterra, Theresa May, cobardolas, não associou explicitamente o atentado de Manchester ao terrorismo islâmico. Não fora a reivindicação do atentado pelo ISIS e desconfiaríamos que a associação de spotters do monstro Ness inspirara tal ato. Se nem reconhecemos o que nos ataca – de resto assumidamente – como nos podemos proteger?

Nos Estados Unidos há a laranja que grita muito contra o extremismo islâmico – para deixar em êxtase os seus acéfalos seguidores, que finalmente veem um homem que dá o nome aos bois. É a mesma laranja que acabou de vender mais de cem biliões de dólares em armamento à Arábia Saudita. Isso: o país que forneceu os terroristas do 11 de setembro, arrasa o Iémen e é responsável, entre outras coisas, pela crescente radicalização islâmica na Bélgica – via financiamento das mesquitas do país, tudo sancionado pelo governo belga (como é possível?!) –, que não está desligado de vários atentados recentes na Europa.

Estou como Louise Monroe, a polícia de Edimburgo personagem dos romances da grande Kate Atkinson. Acusada de renegar os princípios socialistas ao colocar o filho num restrito colégio privado, respondia que ‘os meus princípios são o meu filho’. Não há melhores princípios. Não tenho grandes respostas para o que aconteceu em Manchester, mas sei que se a Europa permitir que o terrorismo islâmico mate impunemente os nossos filhos, estará condenada. Merecidamente.