Há precisamente 7 anos recebi a notícia que para sempre iria mudar a minha vida. Depois de inúmeros exames recebi o diagnóstico: Linfoma de Hodgkin no estádio III de IV.

Com dois anos de atraso, devido à pandemia, sujeitei-me este ano a junta médica de reavaliação de incapacidade e é sobre este processo burocrático que todos devemos reflectir.

Em 2015 fui submetida a uma junta médica que me atribuiu um certificado de incapacidade temporária de 60%, a ser reavaliado em 2020. Essa junta médica foi realizada no centro de saúde da Lapa, apesar de eu morar no Parque das Nações
[Reflexão 1: faz sentido centralizar as juntas médicas num centro de saúde, obrigando doentes ao transtorno das deslocações, em vez de ser a junta médica a deslocar-se ao centro de saúde da área de residência do doente?]

Com a pandemia as juntas médicas foram suspensas, mas todos aqueles que necessitavam de uma reavaliação tiveram o dever burocrático de requerer a junta médica (nos anos 2020, 2021 e 2022), juntando ao(s) requerimento(s) exames que comprovassem a avaliação clínica anual, sob pena de, administrativamente, verem cessados os benefícios junto do Ministério da Saúde (isenção de taxa moderadora) e do Ministério das Finanças (benefícios fiscais).
[Reflexão 2: faz sentido suspenderem, administrativamente, os benefícios que decorrem de um certificado de incapacidade, porque o doente não fez prova de ter requerido a junta médica que o Estado suspendeu?]

A este propósito recordo que, depois de inúmeros e-mails enviados para o Centro de Saúde, a pedir esclarecimentos e orientações, fui informada que, como têm mais de 3000 e-mails por ler, sempre que um utente envia e-mails de insistência é colocado no final das prioridades de resposta.
[Reflexão 3: faz sentido um serviço público ter comportamentos de retaliação?]

Finalmente, em 10.05.2022, realizei a junta médica que deveria ter acontecido em 2020. Desloquei-me novamente ao centro de saúde da Lapa, e novamente paguei pela junta médica/emissão do certificado de incapacidade.
[Reflexão 4: faz sentido cobrar a junta médica/emissão de certificados de incapacidade a pessoas isentas do pagamento de taxas moderadoras?]

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A junta médica de 2022 foi muito semelhante à de 2020: composta por três médicos e um administrativo, apenas o médico presidente faz questões. Questões rápidas e sem ciência. Em 2020 a questão foi “está a ser acompanhada em que hospital?” – dou nota de que a junta médica tinha na sua posse o meu processo clínico, com o timbre do hospital que me acompanhava. A questão de 2022 foi “sente-se bem?” – esta questão poderia ter várias respostas, mas optei por responder com um lacónico “sim”.
[Reflexão 5: justifica-se a existência de juntas médicas com esta composição e este teor?]

Na sequência da junta médica, a minha incapacidade passou de 60%, a título temporário, para 25%, a título definitivo. Foram, sem dúvida, boas notícias, mas a redução da percentagem de incapacidade obriga o doente a dirigir-se ao serviço de Finanças para dar conhecimento da nova incapacidade.
[Reflexão 6: esta comunicação não devia ser automática entre o Ministério da Saúde e o Ministério das Finanças?]

Dirigi-me três vezes ao serviço de Finanças: na primeira vez não fui atendida porque encerraram o serviço devido a um surto de COVID-19, e pediram para enviar e-mail com o atestado (nunca me responderam ao e-mail, e nunca actualizaram a informação); na segunda vez fui atendida, mas como não levei o atestado de incapacidade emitido em 2015 informaram que me iriam contactar depois de consultarem o meu cadastro (nunca me contactaram e nunca actualizaram a informação); na terceira vez consegui que me averbassem a incapacidade, mas a senhora funcionária fez questão de me tratar como se eu tivesse cometido um crime fiscal.
[Reflexão 7: faz sentido que os serviços de Finanças não trabalhem por e-mail, e não consultem os cadastros de forma imediata, obrigando a três deslocações para que um contribuinte consiga averbar um direito?]

Nota final: em 2019, por Despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, tentou-se acabar com a manutenção de benefícios fiscais para os doentes oncológicos a quem, nas juntas médicas de reavaliação, fosse atribuído um menor grau de incapacidade.
Em 2021, a Lei n.º 80/2021, de 29 de novembro, veio clarificar o Decreto-lei n.º 202/96, de 23 de outubro, ficando assim inequívoco que sempre que do processo de reavaliação de incapacidade resulte a atribuição de grau de incapacidade inferior ao anteriormente atribuído, e consequentemente a perda de direitos ou benefícios fiscais já reconhecidos, mantém-se em vigor o resultado da avaliação anterior, mais favorável ao avaliado.

Reflexões finais: quanto aos temas burocráticos, cabe a todos uma reflexão sobre o processo burocrático a que, em pleno século XXI, os doentes oncológicos estão sujeitos. Quanto às doenças oncológicas, nunca deixem de acreditar… eu venci!

Moral da história: é mais fácil acabar com um Linfoma do que com a burocracia.