Naquele que, provavelmente, é o período mais importante do ano para os católicos de todo o Mundo, e, acredito, para os portugueses em especial, onde celebramos a Páscoa e o “nosso” 13 de Maio, tornando-se Fátima o centro da fé de milhões, um acontecimento abalou a religião católica. De forma estranha, ou, se pensarmos melhor, talvez não, o silêncio sepulcral que se escutou em Portugal sobre esse tema, é revelador do mesmo.

A 3 de Maio último foi aprovado pelo Parlamento Europeu um relatório “sobre a perseguição de minorias com base na crença ou religião”. O referido texto, pretendia ser uma base de combate europeia às perseguições religiosas e discriminações crescentes que se registam, com cada vez maior impacto, no Mundo. Foi com enorme perplexidade que a Igreja Católica recebeu um documento que se coíbe, quase totalmente, de mencionar os cristãos e no qual não há referência explícita às instâncias horrendas de perseguição de que estes são vítima no mundo actual.

Ao ler a imprensa estrangeira, percebemos imediatamente o quão relevante o tema é e a relevância de opodermos abordar. Várias fontes alertaram (p. ex. a ADF International)  para o facto de o texto inicial ser bem diferente da versão final aprovada e conter amplas referências à situação dos cristãos em todo mundo, referências essas que foram posteriormente eliminadas. Da mesma forma, a versão final contém alguns parágrafos que podem legitimamente ser vistos como hostis à religião. Mais ainda, o texto final muda a ênfase do relatório, e muitos pontos, do combate à perseguição de minorias religiosas para a polémica contra a religião em geral e para as causas hoje na moda que são caras à União Europeia e aos seus burocratas, como sejam tudo o que tenha a ver com direitos LGBT+ – minoria esta frequentemente mencionada no texto, um pouco a despropósito – e os agora chamados “direitos reprodutivos”, i.e., o aborto e assuntos afins.

Uma Europa sem crenças é uma Europa vazia

Que a União Europeia rejeita Deus no espírito e na letra e apenas lhe reserva um lugar no último canto dos bastidores já todos sabíamos. O que os mais distraídos de nós podem ainda não saber é que, quando se trata de proteger os direitos das pessoas religiosas, os cristãos estão no último lugar da lista da União Europeia. Mesmo assim, é estranho e alarmante ver o grau da sua desconfiança, hostilidade e ressentimento em relação à antiga fé da Europa. Mais alarmante ainda é ver a sua indiferença face ao sofrimento dos cristãos um pouco por todo o mundo, da China à Nigéria, passando, claro, por sítios como a Turquia, Síria, Iraque e Afeganistão.

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Numa análise à votação do documento, tivemos oportunidade de verificar que o texto final foi aprovado com os votos a favor dos deputados de direita – como os portugueses Nuno Melo e Paulo Rangel – e com os votos contra de uma parte dos deputados de esquerda e extrema-esquerda, como Marisa Matias. Para uma abordagem simplista tendo em conta estes dados, e uma vez que partes do relatório parecem servir mais os interesses da esquerda que temos hoje, alguma da qual votou contra, existia uma dificuldade de entender as razões que levaram à modificação do texto e à aprovação por parte da direita europeia. Essa dificuldade de entendimento, e procura por uma explicação sem especulações, fez-nos escrever ao relator inicial, o eurodeputado polaco Karol Karski, que gentilmente, e numa prática que deveria ser seguida pelos deputados da nossa Assembleia, respondeu em menos de 48 horas, de forma cordial e informativa.

Segundo as explicações do eurodeputado Karol Karski, o texto final resulta de um duro processo de negociação entre os proponentes do relatório e os seus opositores e culminou numa solução de compromisso, que envolveu retirar todas as menções específicas aos cristãos como concessão da direita. O eurodeputado explicou ainda, que, estando o texto aprovado longe de ser ideal, se a direita tivesse votado contra ou de alguma forma batido com a porta, arriscar-nos-íamos a que fosse aprovado um texto muitíssimo pior e com eventuais danos reputacionais e na opinião pública para os partidos de direita. Explica, talvez, este compromisso a meio caminho, o porquê do voto contra de Marisa Matias, eventualmente entendendo que o texto final não era “mau” o suficiente, e o voto a favor do “católico” Nuno Melo.

Importa ressalvar, como salientou na sua mensagem o eurodeputado polaco, a existência de aspectos bastante positivos neste relatório, como seja a recomendação de que as delegações de países da UE, quando em diálogo com países terceiros sobre direitos humanos ou em fóruns da ONU, levantem sistematicamente questões relativas à perseguição de minorias religiosas no mundo de hoje.

No entanto, também existem lições a tirar da saga da aprovação deste documento. A primeira dessas lições tem a ver com observar o grau de hostilidade, desconfiança e ressentimento que a esquerda nutre para com o cristianismo em geral, e para com o catolicismo em particular. Isto pode parecer contra-natura, uma vez que foi a religião cristã que conferiu uma gramática às preocupações sociais e fez do cuidado e apoio aos desfavorecidos e oprimidos um artigo de fé. Devemos, aliás, lembrar que a esquerda que temos hoje em dia está interessada, não nos desfavorecidos e oprimidos, mas em usá-los para chegar ao poder. Mais ainda, esta é uma esquerda revolucionária no mau sentido da palavra, i.e., destrutiva, à qual desagradam alternativas construtivas que a tornem irrelevante.

Mesmo assim, é penoso ver a hipocrisia de um lado do espectro político que se diz defensor dos melhores instintos humanos de solidariedade e que, ainda assim, quando os perseguidos, os oprimidos e os desfavorecidos professam crenças que considera erradas, não se coíbe em camuflar, desvalorizar, desculpar ou menos colaborar com a sua opressão. Se mais razões não houvesse, isto mesmo desqualificaria a esquerda de hoje em dia para liderar qualquer sociedade civilizada.

Resumindo, o relatório desvia a atenção das minorias religiosas propriamente ditas para se focar nas causas que interessam à nova esquerda e à sua “religião” do politicamente correcto, como sejam pôr a religião no papel de má da fita e perseguidora de ateus, secularistas e humanistas, que considera comunidades religiosas, falhando em perceber a diferença entre variedades de crença e ausência de crença.

Uma religião debaixo de fogo

Quem ler o mencionado relatório, as notícias, os blogues e os tweets, vai provavelmente concluir, que não só os católicos não são perseguidos como, provavelmente, ainda são a razão de as perseguições existirem. De resto, os cristãos só são explicitamente mencionados uma vez, de passagem, ao passo que minorias muçulmanas (os uigures e os rohyngia), ateus, secularistas, humanistas, LGBT, etc., aparecem repetidamente. Existe uma consciência que a palavra culpa é uma herança católica, e muita dessa definição pende sobre a nossa história enquanto civilização. Talvez por estarmos na Europa, a “memória” da Inquisição crucifica os católicos aos olhos da nova “arte” de ler a história pelos valores do presente. Porém, e como dizem os antigos, não é cego quem não vê, é cego quem não quer ver.

Em 2021 mais de 360 milhões (trezentos e sessenta milhões) de católicos sofreram perseguições e descriminações. Segundo algumas ONG’s, as perseguições a cristãos no ano passado atingiram valores recordes, em especial no Afeganistão, mas com episódios em mais de 70 países. Quase 6.000 foram assassinados, sendo que 8 em cada 10 morreram na Nigéria. Estes números não englobam países como Somália, Iêmen, Eritreia ou Coreia do Norte onde não existem relatórios oficiais.

Hoje em dia, a União Europeia e os seus ideólogos continuam a pensar como pensavam os reis e príncipes europeus do Renascimento ao séc. XIX: quanto menos poder a Igreja tiver, mais poder o Estado terá. Provavelmente, pensam que, assim, rumarão mais facilmente em direcção às utopias que hoje andam na moda, sem pararem para pensar no exemplo do séc. XX, que ilustra sobejamente como as utopias produzem fundamentalmente duas coisas: montanhas de cadáveres e sociedades arruinadas.

Assim, é do seu interesse enfraquecer e silenciar a Igreja e os cristãos, e substituir o código moral cristão pelas ideologias que hoje apadrinham e que constituem uma espécie de religião secular, sem outro deus que não a arbitrariedade da vontade individual, o capricho dos seus inventores e a utilidade para os seus aderentes justificarem os disparates mais variados ou sinistros que lhes passam pela cabeça.

Este é o momento em que a luta deve ser feita, uma luta por uma Europa tolerante e que não ignore a intolerância do mundo. Todas as religiões e crenças devem ser protegidas, todos sem exceção de cor, origem ou religião devem ser integrados e respeitados. A descriminação deve ser banida sem reservas, não podemos proteger minorias atacando maiorias e devemos procurar um mundo de plena inclusão, respeito e tolerância.