É uma pena Patricia Arquette não viver em Portugal. Assim, em vez de no seu discurso de agradecimento pelo Oscar falar de minudências como o diferencial nos ordenados pagos aos homens e às mulheres, com uma especial menção para as mães (cujos sacrifícios em termos de carreiras e rendimentos por causa da maternidade são conhecidos), teria referido assuntos importantes que ocupam algumas feministas portuguesas. Exemplo: impedir que uma barbearia privada não receba só no seu interior homens e cães.

É que Portugal não tem nenhum outro problema que aflija aquilo que se designa de condição feminina. Algumas dezenas de mulheres são mortas anualmente por cá por maridos ou companheiros ou namorados (ou ex qualquer das categorias). Sabe-se lá quantas mais são agredidas em contexto de violência doméstica. As violações (as participadas, evidentemente) são cerca de meio milhar por ano. E só no final de 2014 o crime de violação passou a existir quando a mulher não desse o seu consentimento para o ato sexual. Até então só existia crime se sobre a mulher violada fosse exercida violência assinalável. Os casos de entorpecimento para violação ou em que a mulher, por alguma razão, não se pudesse debater a ponto de levar uns valentes sopapos não eram violação. Que alegria.

E tão fascinante como os legisladores portugueses até 2014 considerarem que o consentimento de uma mulher era irrelevante num ato sexual – só contava a violência – é a alteração legislativa deste aberrante estado de coisas ter sido aprovada apenas com os votos do Bloco de Esquerda e Verdes. Os restantes partidos, quiçá julgando que violência sexual sobre mulheres não é assunto nobre, abstiveram-se. E quase tão fascinante foi não ter visto nenhuma das paladinas da criminalização do piropo indignando-se por esta opção do PSD, PS, CDS e PCP. Afinal o que é uma mera violação comparada com um dichote desagradável no meio da rua?

Mas não, por cá, graças certamente às tágides, o problema-mor feminino é a eventual barbearia machista. Que é um negócio privado e claro que pode escolher não só o seu nicho de mercado como a sua forma de promoção. Eu declaro já: não teria problema em frequentar um cabeleireiro só de senhoras, um spa só para o sexo feminino ou (se não tivesse como opção de vida fazer desporto somente quando corro atrás dos meus filhos) um ginásio onde não entrasse o elemento masculino. Na minha escolha destes serviços entram várias alíneas, mas não a paridade nos clientes.

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Sim, acho provocatória e imbecil a inclusão dos cães para mais marcar a exclusão feminina. Mas não é a mim que a barbearia quer conquistar como cliente, pelo que a minha indignação não os comoverá por aí além. As senhoras que com isso se afrontarem têm um bom método: ameaçar os maridos ou namorados com severas represálias se forem vislumbrados na dita barbearia. Se tiverem pouco amor pelo tempo disponível para si próprias, podem também manifestar-se à porta denunciando o machismo do proprietário. De modo nenhum podem invadir o espaço que não é seu e reclamar que lhes deem as boas vindas.

Tenho a mesma opinião para a não aceitação de crianças em hotéis e restaurantes. As empresas devem poder escolher o seu nicho de mercado. Há pelo mundo fora hotéis que só aceitam casais, restaurantes apenas para pessoas que venham sozinhas tomar a sua refeição, hotéis para hóspedes seniores e um largo etc. Não há cataclismos no mundo por estas políticas comerciais das empresas. Existem também cabeleireiros só de crianças – e espero que as ferozes invasoras da barbearia lisboeta ‘mulher não entra’ não decidam pregar uns sustos às crianças clientes destas lojas reclamando contra a discriminação etária – e colégios só de rapazes ou só de raparigas.

Sim, tenho noção que há aqui uma fina linha vermelha que pode ser ultrapassada. Se vejo como normal que uma empresa se especialize em serviços que apenas um grupo populacional precisa (mulheres, homens, crianças, idosos, grávidas…), há limites. A questão racial é um deles. Pessoas de diferentes raças e etnias necessitam dos mesmos serviços, pelo que não é aceitável a segregação. Não queremos repetir o que sucedia na Índia britânica, em que o maharaja não tinha entrada no restaurante onde o humilde oficial era bem recebido. E a regra de segmentação vale para as empresas privadas, claro; os serviços públicos não têm de segmentar.

Sempre que há polémica com crianças nos restaurantes e hotéis, os prestimosos defensores do consumidor acorrem aos media a garantir que se trata de empresários fora-da-lei. A única consolação que temos no caso da barbearia é a esperança de o legislador (que ignora a importância do consentimento de uma mulher num ato sexual) não atribuir muita importância à expulsão do belo sexo das barbearias e não correr a proibi-lo por lei.

Esperança comedida, no entanto, que o amor a regular e criar leis inúteis e regulamentações em quantidade sempre inversamente proporcional à necessária é o sentimento mais abundante nos políticos portugueses. E quando os olhos cobiçosos do legislador se arregalarem com a receita que virá das multas aplicadas a quem não cumprir, é bom que as barbearias comecem a estudar o couro cabeludo feminino. E a seguir irão os ginecologistas, a quem será aplicada uma quota de 30% de pacientes homens. Será todo um novo universo de expansão fiscal à disposição.