1 Já abordei aqui a tentativa de controlo do aparelho do Estado em curso por parte do PS mas tenho de voltar ao tema porque os socialistas insistem em tomar os portugueses por parvos. E porque o Governo teima em não aprender com os erros que se vão acumulando neste segundo mandato — como a ineficaz e pouco inteligente narrativa cavaquista das “forças de bloqueio.”

Veja-se o caso do chumbo dos dois nomes propostos pelo PS (Vitalino Canas e Clemente Lima) para o Tribunal Constitucional. Apesar da benevolência geral que os socialistas costumam gozar dos media e dos opinion makers, era óbvio que a indicação do porta-voz do secretário-geral José Sócrates entre 2005 e 2009 iria causar polémica — como causou. Tal como causaria sempre a nomeação de qualquer um dos comensais daquele jantar de 10 de setembro de 2015 organizado por José Sócrates para assistir com os seus amigos mais próximos ao debate eleitoral entre Pedro Passos Coelho e António Costa das legislativas de 2015.

Tal como José Sócrates é cego, surdo e mudo face a determinadas realidades evidentes para o comum dos mortais, também Vitalino Canas padece do mesmo defeito. Como é óbvio, um homem que foi porta-voz do PS entre 2005 e 2009 (cargo para o qual só foi nomeado com a confiança política total do então secretário-geral José Sócrates) e um homem que nunca demonstrou publicamente qualquer espécie de distanciamento político do ex-líder socialista acusado de corrupção — esse homem (desde que socialista, pois claro) tem todas as condições de independência e objetividade para julgar um recurso do mesmo José Sócrates se, por hipótese, fosse eleito juiz do Tribunal Constitucional.

E foi precisamente isso que Vitalino Canas fez questão de afirmar na sua audição parlamentar no dia 26 de fevereiro. Não vê qualquer razão para se declarar impedido de julgar um recurso de Sócrates, como baseia essa sua avaliação ética no facto de não falar com o ex-líder do PS “há anos” e de não ter qualquer “intervenção processual” como “advogado”, “testemunha” ou “inquirido” na Operação Marquês.

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Pois não! Apenas fez questão de participar num ato de fé pública na inocência de Sócrates ao aceitar ir a um jantar durante a sua prisão domiciliária presenciado pelo país inteiro através da comunicação social. Vitalino Canas pode acreditar na inocência dos seus amigos, não pode é querer julgar os seus recursos no Tribunal Constitucional (TC). E o PS de António Costa tanto concorda que propõe o seu nome para conselheiro do Constitucional.

2 Se o ex-porta-voz de José Sócrates só provou que não tinha nem condições éticas nem credibilidade para ser juiz do TC (mas mesmo assim parece insistir na sua candidatura à boa maneira socrática), Ana Catarina Mendes conseguiu dar novas provas da arrogância dos socialistas.

A líder parlamentar do PS ignorou todo o caso Vitalino Canas e fez uma espécie de fuga para a frente, invocando um “acordo de cavalheiros” com outras bancadas que não foi alegadamente respeitado e criticando o Parlamento por “bloquear o funcionamento de outras instituições” — lá está, a tal narrativa cavaquista das “forças de bloqueio”.

Compreende-se a irritação de Ana Catarina Mendes. É que nem a bancada parlamentar que supostamente lidera aprovou de forma unânime a dupla Vitalino Canas/Clemente Lima (só houve 93 votos a favor quando a bancada do PS tem 108 deputados). Apesar da óbvia tentativa de criar uma manobra de distração, fica mal a Ana Catarina Mendes atacar o Parlamento quando facilmente se percebe que a origem do problema é única e exclusivamente o PS — por apresentar um candidato sem credibilidade e por, nas palavras de Catarina Mendes, insistir em sujeitá-lo a “uma humilhação.”

E o que dizer do juiz conselheiro Clemente Lima — que já tinha sido indicado por António Costa, enquanto ministro de José Sócrates, para inspetor-geral da Administração Interna? Por que razão se sujeitou a este chumbo mais do que óbvio, ficando assim ainda mais colado ao PS? Os juízes, como titulares de órgãos de soberania que são, têm de ser independentes dos partidos e o conselheiro deveria ter sido o primeiro a afastar-se da polémica.

3 Outro exemplo da narrativa das “forças de bloqueio” tem sido a novela do aeroporto do Montijo. Um governo imobilista que antes era liderado por um primeiro-ministro habilidoso para os pequenos truques da política, agora nem sequer consegue concretizar uma obra que anunciou com pompa e circunstância em janeiro de 2019 mas que já tinha sido decidida pelo Governo de Passos Coelho.

Se naquela cerimónia afirmou que a localização do novo aeroporto internacional de Lisboa “é um case study de como não deve ser a decisão política”, devido aos alegados 50 anos de atraso na mesma, não é menos certo apelidar de caso de estudo a incompetência revelada pelos socialistas que só agora, mais de quatro anos depois de chegarem ao Governo, se deram conta que, afinal, existe um decreto-lei aprovado pelo primeiro Governo de José Sócrates (e alterado pelo segundo Executivo Sócrates) que dá poder vinculativo às autarquias para chumbarem o novo aeroporto do Montijo. No mínimo é incompetência, no máximo é desleixo.

É claro que, uma vez mais, a culpa é dos outros — menos do PS. É do PCP — por controlar as cinco autarquias (Moita, Seixal, Sesimbra, Setúbal e Palmela) que anunciaram a sua oposição aquando da Declaração de Impacte Ambiental. E é do PSD — por não querer aprovar uma lei especial que reverta o enquadramento jurídico que permite às autarquias inviabilizar a construção do aeroporto.

Vamos ser claros. Como o Alexandre Homem Cristo já explicou aqui, promover esta alteração legal específica desvirtua os princípios dos freios e contra-freios da nossa democracia liberal. As regras do jogo democrático obrigam o Governo — e, logo minoritário, como é o caso do atual — a negociar com as autarquias da margem sul. E não a chantagear a oposição ou a fazer bluff de que, afinal, não há aeroporto para ninguém.

4 Diz a Direção-Geral de Saúde — liderada por uma senhora diretora-geral que gosta de falar publicamente sobre os cenários teóricos de um milhão de infetados com o coronavírus — que uma boa medida preventiva para combater a propagação do vírus é promover o “distanciamento social” — isto é, evitar cumprimentar as pessoas com um beijinho ou um aperto de mão.

Não sei se António Costa tem reparado nas últimas sondagens publicadas pela comunicação social — ou nos resultados dos focus group que os socialistas gostam tanto de fazer. Certo é que o PS está a cair desde o início do mandato deste segundo Executivo. Se as eleições fossem hoje, os socialistas arriscavam-se a ter menos de 100 deputados — e uma maioria relativa ainda mais reduzida. É uma espécie de “distanciamento” político entre os portugueses e os socialistas.

Talvez seja melhor rever em força (e depressa) a arrogância e a intolerância com que o PS tem atuado.