O coração da Europa ainda bate, mas o combustível começa a falhar nas suas veias. O centro nevrálgico desta dinâmica assenta no Nord Stream, o gasoduto que transporta o gás natural da Rússia para a Europa Central, atualmente bloqueado pelo conflito na Ucrânia.

A Europa prepara-se para viver com menos combustível, mas dificilmente conseguirá controlar outros males como a inflação, o custo de vida, e a necessidade de apoio económico imediato a setores mais vulneráveis. Os Europeus não têm alternativa senão viver com menos energia, à medida que a economia de guerra se instala.

A qualidade de vida das famílias e a sobrevivência das empresas vão depender da capacidade de reduzir o consumo coletivo de energia, e de recorrer a alternativas de fornecimento. As renováveis são seguramente a opção mais rápida e eficiente para aliviar o impacto da guerra no setor energético, na economia e na sociedade através de uma produção local, rápida e em escala. Esta opção terá maior expressão partir de 2025, embora a curto prazo a opção resida na frugalidade.

Enquanto Europeus, o nosso compromisso deve ser, em primeiro lugar, um regresso imediato à sobriedade, aceitando o equilíbrio e a moderação como o “novo normal”. Em Portugal e Espanha, permanece ainda fresca a memória dos sacrifícios económicos na última década, já que ambos foram severamente atingidos pela última crise financeira.

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Em segundo lugar, devemos alavancar as fontes renováveis ​​em toda a Europa. A Península Ibérica tem uma vantagem geográfica com capacidades eólicas, solares e hídricas bem acima da média europeia. O que alguns apelidaram de “oásis de energia” – será apenas útil se forem disponibilizadas às empresas cadeias de valor locais e descarbonizadas.

A Península Ibérica pode transformar-se num exemplo industrial de baixo carbono, desenvolvendo modelos de produção inteiramente novos, concebidos de raiz para ser low-carbon. Na sequência do nearshoring, chega agora o green shoring, com Portugal no ponto de partida para dar o exemplo geoestratégico, afastando-se do modo de guerra e ajudando o resto da Europa a construir uma ponte para um futuro melhor.

Por último, a Europa desempenhou, historicamente, um papel importante na unidade – e deve continuar a fazê-lo. Cabe ao velho continente ser capaz de apresentar novas perspetivas – inspiradoras, envolventes e mais fortes que o medo. As raízes culturais de Portugal assentam na resiliência e num verdadeiro sentido de comunidade. Isso deve agora ser transposto para uma energia comum, o credo que soubemos gravar na pedra.

Acredito que é possível reinventar a indústria ibérica e exportar bens produzidos de forma sustentável. Acredito na nossa capacidade de atrair investimento estrangeiro para produzir em Portugal produtos feitos com energia renovável. Acredito que devemos aproveitar os recursos renováveis ​​para produzir materiais de baixo carbono como vidro, cimento, cerâmica, aço ou produtos químicos. Acredito que podemos alavancar uma força de trabalho internacional altamente qualificada e multilingue, composta por ADN português, com profissionais de topo e expertise local.

Acredito que, para aproveitar esta oportunidade histórica, devemos criar um novo modelo industrial renovável, sóbrio e eficiente em toda a Península Ibérica, preparado para responder à guerra pelo clima, contra o conflito e pela sobrevivência, num inverno energético que se avizinha de descontentamento.

O futuro da energia assenta na encruzilhada entre a moderação e a resiliência, onde a energia renovável é abundante, e onde apenas o sentido de comunidade pode garantir a equidade.

Bem-vindos ao renascimento ibérico.