Ouço talks, leio artigos, vejo documentários, gravo entrevistas e podcasts, organizo fóruns e participo em debates que refletem sobre a educação do futuro porque o tema me apaixona, mas também porque dou aulas numa universidade (num mundo!) em mudança acelerada. Os grandes pensadores, gurus, mestres e visionários do ensino convergem num ponto crítico para todos, mas em especial para as novas gerações: no futuro cabe-nos aprender a desaprender.

O que será isso de aprender a desaprender, perguntamos nós e perguntarão certamente os nossos alunos e os pais deles. Se, por um lado, soa a coisa fascinante, por outro pode ter um eco ameaçador, pois parece que o cérebro nem sequer está programado para desaprender. Está acima de tudo preparado para aprender.

Pensando melhor, se o cérebro está programado para aprender isso quer dizer que podemos ficar mais descansados porque, assim sendo, também será muito rápido nesta lição de ‘aprender a desaprender’. Ou não? Interrogações científicas aparte, vale a pena descascar este novo conceito, pois nunca como agora se falou tanto da necessidade de mudar de rumo, de adaptar a novas realidades, de abrir a novas possibilidades e de acolher certezas inaugurais.

O mundo está a mudar e certas teorias e dados que eram adquiridos também estão a evoluir. Nesta dinâmica de evolução constante, temos que atualizar permanentemente a forma como pensamos as diferentes realidades. A poucas semanas de iniciarmos no Observador mais um ciclo de conversas offline sobre o futuro da Educação, conversas estas que vou moderar e serão transmitidas em direto para o público, via streaming, em datas que serão oportunamente anunciadas, faz-me sentido olhar para a escola e para o sistema de ensino para perceber o que vai ter que mudar nos próximos tempos.

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Muita coisa. Sabemos que não são apenas os manuais e os métodos que vão ficando obsoletos. Também nós, professores e alunos, corremos o risco de ficar fora de prazo se não apanharmos o comboio de alta velocidade que nos conduz a um destino imediato. A um futuro que já começou.

Aprender e desaprender são caminhos exigentes que devem ser percorridos por todos e não apenas pelas chamadas gerações do futuro. Não se consegue fazer este processo sozinho, de forma individual, aliás. Aprender e desaprender implica sempre os outros, é um processo colaborativo, feito em equipa. Além disso, os mais velhos e os de meia idade também têm que desaprender para poderem renovar os seus conhecimentos, pois a longevidade aumentou e as dinâmicas profissionais estão a ser desenhadas para podermos permanecer ‘no ativo’ durante mais anos.

Assim sendo, o que é mais urgente mudar, perguntei a Daniel Traça, Dean da Nova SBE, numa gravação recente que fizemos de um podcast para circular nas redes sociais da universidade e de quem a apoia. A forma como adquirimos e transmitimos conhecimentos, disse ele. A maneira como aprendemos uns com os outros. A escola. Toda a escola, todos os ciclos, dos primeiros aos últimos anos. Acabou a era do professor que entra na sala para debitar a matéria, como quem dá soluções e transmite aos alunos uma espécie de manual de instruções. Se já no nosso tempo era complicado aprender desta forma, no tempo dos nossos filhos, e dos filhos deles, será impossível manter o modelo. As ciências exatas, as fórmulas e as teorias confirmadas terão que continuar a ser ensinadas, mas muitas áreas do conhecimento (em especial as Ciências Sociais) mudam quando os contextos mudam e, neste sentido, é tão importante transmitir aquilo que permanece atual, como ensinar a olhar para a realidade de forma crítica e curiosa.

Como devemos proceder, então, perguntamos nós. Respondem os que sabem, investigam e refletem sobre tudo isto: os professores devem voltar a ser mestres. Mestres no sentido em que ajudam a pensar e a compreender, mas não dizem tudo porque o seu papel também é estimular a vontade de saber mais e compreender melhor. Mestres que despertam o interesse dos alunos, mas que também são capazes de aprender com eles. Sábios, no sentido da humildade, mas também no sentido de saberem identificar os talentos de cada um, para os pôr a render.

Acredito nos especialistas que estudam as novas formas de aprendizagem e ensino porque vejo frutos das suas recomendações nas minhas aulas, semestre após semestre. Acredito profundamente quando dizem que só é possível evoluir se formos capazes de nos reinventar e adaptar à mudança constante. Sei que é imperativo esquecermos muito do que aprendemos, para termos espaço mental para novos conhecimentos. E tenho a certeza de que esta é uma atitude que temos que cultivar até ao fim da vida.

Está estudado que as novas gerações vão evoluir profissionalmente através de incontáveis atividades, algumas delas de forma sequencial, dentro da mesma área de especialidade, mas outras numa lógica absolutamente disruptiva. Muitos universitários que chegam ao mercado de trabalho vão demorar anos até conseguirem estabilizar profissionalmente na sua área de formação. Alguns começarão a trabalhar em empresas e organizações que nada têm a ver com os estudos que concluíram, e há cada vez mais pessoas a transformar hobbies em trabalhos rentáveis.

Tudo isto faz sentido e tudo isto é necessário para que a bagagem que levamos connosco nesta espécie de TGV da educação nos sirva e nos ajude a não perder outros comboios. As lições também são ligações e se perdermos umas, perderemos fatalmente as outras. Se não ligarmos os conhecimentos e as experiências, se não soubermos ler e interpretar as novas realidades, corremos o risco de ficarmos parados e perdidos. Isolados e esquecidos num fim de linha.

Volto ao início, à questão de aprender a desaprender, para fazer um derradeiro sublinhado que colhi na conversa gravada com Daniel Traça, toda ela centrada nesta questão: “o futuro não é incerto, porque isso poderia dar a ilusão de que, mais à frente, haveria certezas definitivas. O presente e o futuro são dinâmicos e é este movimento incessante que exige que também nós sejamos capazes de mudar. Mas aprender e desaprender faz-se com os outros, não se faz sozinho. Não sou eu, com os meus livros e as minhas teorias, sou eu em debate e na relação com os outros.” Faz sentido.