Não foi a primeira vez — nem deverá ser a última — que a AfD teve um bom desempenho eleitoral em eleições na Alemanha mas o resultado das recentes eleições em Mecklenburg-Vorpommern é simbólico e significativo por várias razões. Por se tratar do Estado de origem de Angela Merkel, mas também por a AfD ter remetido a CDU para um humilhante terceiro lugar.

Vale a pena também comparar os resultados destas eleições com os de 2011. Realizando esse exercício, verifica-se que a CDU perdeu cerca de 4 pontos percentuais enquanto os partidos de esquerda e extrema-esquerda no seu conjunto recuaram uns impressionantes 14 pontos percentuais face a 2011. Ou seja: a ascensão da AfD resultou muito provavelmente de uma conquista transversal de apoios entre o eleitorado, indo muito além de uma mera reconfiguração do espaço partidário à direita.

A verdade é que na Alemanha dos nossos dias um partido nacionalista, crítico da União Europeia (e em especial do euro) e defensor de uma política de imigração mais restritiva é apelativo para uma fatia significativa — e aparentemente crescente — do eleitorado. Esta é uma realidade objectiva que inevitavelmente influenciará a política alemã a nível federal, constituindo em particular um desafio e uma ameaça para a CDU.

Com várias sondagens a apontarem o afluxo de refugiados como uma das principais preocupações dos eleitores alemães, a insistência de Merkel na (relativa) abertura de fronteiras é o combustível perfeito para impulsionar o crescimento da AfD. Sintomaticamente, em Mecklenburg-Vorpommern até o próprio candidato do SPD Erwin Sellering achou por bem distanciar-se da política de recepção de refugiados de Merkel acusando-a de ser responsável pela popularidade da AfD.

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Além da questão da imigração, também a política de sentido único em termos de integração europeia tem alimentado o crescimento de partidos e movimentos fora do sistema tradicional. A voragem da “ever closer union” foi um factor decisivo para empurrar os britânicos no sentido Brexit, da mesma forma que tem levado a uma insistência perigosa e imprudente em manter a Grécia na zona euro contra todas as evidências. Em todas estas políticas, lamentavelmente, Merkel e a sua CDU têm pesadas — ainda que não exclusivas — responsabilidades.

Numa União Europeia mais preocupada com a “harmonização” fiscal — expressão de código para eliminação da concorrência e maximização do saque fiscal — do que com os europeus não surpreende o ressurgimento dos nacionalismos e, em alguns casos, a ascensão de movimentos extremistas. Cada um à sua maneira, entidades como o Syriza ou a Front National apresentam aos respectivos eleitorados alternativas que não se encontram no espectro partidário tradicional nem nos dogmas centralizadores e uniformizadores da actual UE. Como a política abomina o vazio, a cegueira das actuais elites europeias não bloqueará o surgimento de alternativas, mas fará com que estas surjam cada vez mais à margem do sistema.

André Azevedo Alves é professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa