Na altura em que escrevo, não conheço ainda os resultados das eleições presidenciais de Domingo na Áustria. Mas, de certa forma, o resultado principal já é conhecido. Os candidatos em confronto são oriundos dos extremos, um ecologista à extrema-esquerda, um proto-fascista à extrema-direita (espero que ainda me seja permitido o privilégio elitista de não ter fixado, nem estar a planear fixar, os nomes dos personagens em causa). Por outras palavras, os candidatos do centro-esquerda e do centro-direita não chegaram á segunda volta.

Isto é muito sério, qualquer que seja o vencedor. E o ponto crucial foi aqui identificado no Observador por José Manuel Fernandes num dos seus notáveis Macroscópios (que, infelizmente, não consigo depois encontrar no jornal): o centro está a ceder.

O centro está a ceder na Áustria; como cedeu na Grécia, para a extrema-esquerda do Syriza; como está a ceder na Hungria, para a extrema-direita; provavelmente na Polónia, no mesmo sentido; e — mais dramaticamente — nos EUA, para a extrema-direita com Trump e para a extrema-esquerda com Sanders. O centro está a ceder também em Espanha, onde o “Podemos”, financiado pelos terceiro-mundistas da Venezuela, ameaça ultrapassar os clássicos socialistas democráticos nas próximas eleições de 26 de Junho. E, em Portugal, receio já ter dito o que tinha a dizer sobre a aliança contra-natura entre os socialistas democráticos — fundadores da nossa democracia — e a extrema-esquerda que tentou sempre inviabilizá-la.

As pessoas perguntam, com inteira justiça, a que se deve este fenómeno. E eu respondo: não sei exactamente. Mas também gostava de acrescentar que, antes mesmo de conseguirmos identificar as origens do fenómeno populista, de esquerda e de direita, nós temos um dever: denunciá-lo.

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Neste sentido, gostaria de subscrever enfaticamente o artigo que Rui Ramos escreveu aqui no Observador sobre A revolta contra a globalização. E nunca será demais recordar a sua conclusão: “Na década de 1930, o proteccionismo acompanhou o autoritarismo. Desta vez, não seria diferente.”

Foi exactamente assim. O colapso das democracias na Europa na década de 1930 foi acompanhada da vitória do proteccionismo. E gostaria de acrescentar que essa dupla vitória — do protecionismo e do autoritarismo — foi acompanhada de uma outra vitória: do igualitarismo contra o elitismo aberto e liberal.

José Ortega y Gasset, o grande liberal espanhol, denunciou este fenómeno no clássico A Rebelião das Massas. Embora eu não subscreva integralmente o argumento deste clássico da liberdade ordeira, certamente subscrevo o fundamental: a ambição igualitária de destruir todas as diferenças, designadamente de destruir todas as elites, não é compatível com a liberdade. A ambição igualitária acabará necessariamente numa ditadura em nome dos iguais — como George Orwell imortalizou em Animal Farm e em 1984.

O que nós assistimos hoje, na extrema-esquerda e na extrema-direita, é a um discurso contra as chamadas “elites”. Este é o discurso favorito das chamadas “redes sociais”, como certeiramente argumentou Henrique Monteiro no Expresso do último sábado. E o que o sectarismo das redes sociais está a produzir é o esvaziamento da praça pública da democracia liberal. Em nome de um igualitarismo radical, os militantes da redes sociais estão a fechar o debate aberto, civilizado e cortês que costumava ter lugar na nossa praça pública democrática: nos jornais, até certo ponto nas televisões e na rádio, em primeiro lugar no Parlamento.

Como podemos fazer frente a este grave fechamento intelectual produzido pelo igualitarismo radical, protecionista e anti-democrático? A minha proposta é simples: reafirmando tranquilamente a nossa diferença. Reafirmando a nossa confiança — a nossa fé racional — nas boas maneiras, no elitismo aberto e antiquado da gentlemanship.

Karl Popper disse-me várias vezes o que ele acreditava ser o mistério do gentleman: “alguém que não se toma demasiado a sério, mas que está preparado para tomar muito a sério os seus deveres, especialmente quando a maioria à sua volta só fala dos seus direitos.”