Alguma coisa se tem escrito e muito se tem dito ou pensado sobre a derrogação dos direitos dos consumidores previstos no Decreto-Lei 17/2018 de 8 de março (doravante LAV) que transpôs para a ordem jurídica Portuguesa a Diretiva Europeia sobre viagens organizadas.

Somos daqueles que, desde a primeira hora, pensámos que a LAV era desafiante para as empresas, mas que constituía uma oportunidade única para as Agências de Viagens se afirmarem no mercado como imprescindíveis para a cadeia de valor do produto Turismo.

Referimos, também, desde a primeira hora, que o modelo instituído poderia ser posto em causa em virtude de circunstância externas que não estavam ao alcance do imaginário daquele tempo.

Justamente, e bem, ninguém se preocupou com isso, porque tal estava fora de qualquer cogitação.

Constatamos, agora, que afinal havia imponderáveis que superavam a capacidade de imaginação ou de previsão, ao tempo da publicação da Diretiva e, posteriormente, da nossa transposição – a LAV.

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Será, por causa disso, que pomos em causa o modelo adotado na Diretiva e na transposição?

No nosso entender, não.

As virtualidades que lhe achámos, decorrentes das responsabilidades que foram cometidas às Agências de Viagens e à sua capacidade de solucionar as consequências de imponderáveis como estes que agora vivemos, mantém-se inalteráveis e saem realçadas, mesmo reforçadas, neste tempo de exceção.

Que o diga quem reservou diretamente as suas viagens nas companhias aéreas, que recebeu vouchers, emitidos de forma errática, com condições que têm vindo a ser alteradas a cada momento, mas sempre, sempre, sem a possibilidade de alguma vez esses títulos serem remidos a dinheiro.

Que o diga quem reservou diretamente em hotéis por esse mundo fora, que muito provavelmente nem um voucher, para utilizar futuramente, recebeu e seguramente não terá direito a qualquer reembolso dos valores que transferiram para essas unidades.

E por aí adiante, nos diversos prestadores de serviços da cadeia de valor.

Coisa diferente, muito diferente, completamente diferente, para quem reservou as suas viagens numa Agência de viagens.

Mesmo em tempo de exceção, os consumidores, clientes das Agências de Viagens têm a certeza de que serão ressarcidos dos valores que depositaram junto do seu agente de viagens, seja porque realizam uma nova viagem utilizando esse crédito seja porque receberão em dinheiro esses valores, a partir de uma determinada data, já fixada – 31.12.2021.

As Agências de Viagens, ao contrário de outros stakeholders da cadeia de valor, nunca recusaram o direito dos seus clientes a receberem os valores que lhes foram confiados – seja em dinheiro, seja em espécie, via a realização da sua viagem de férias noutra data.

E fizeram-no, sabendo que corriam o risco de, a montante, não virem a receber dos seus fornecedores, junto de quem depositaram a quase totalidade dos valores que receberam dos seus clientes.

Apenas pediram, compreensivelmente, que lhe fosse concedido um prazo alargado para o fazerem.

Com esse prazo alargado, que o Governo, e bem, concedeu, as Agências podem cumprir com a obrigação de reembolso prevista na Lei sem necessitarem de qualquer ajuda do Estado – dos contribuintes, sublinhe-se – reservando, assim, essa ajuda para a manutenção das empresas, para assegurar a manutenção do seu segundo maior ativo que são os seus colaboradores, para, em suma, assegurar a sua sobrevivência.

E sempre garantindo, afinal, a satisfação do seu primeiro ativo – os seus Clientes.

É por isso que a aprovação do Decreto-Lei 17/2020, de 23 de abril, é a concretização, mais expressiva, em tempos de exceção, da defesa do consumidor.

Não vale a pena refugiarmo-nos no positivismo da Lei existente, não vale a pena deixar ao critério do viajante, como pretende a Comissão Europeia, a aceitação dos Vouchers – vales como lhe chama a novel Lei.

A consequência disso, que ninguém pretende, pelo menos o signatário como contribuinte não o quer, é o Estado assumir essa responsabilidade.

Deixemo-nos de fazer política em tempos de exceção e foquemo-nos naquilo que interessa às pessoas.

Foi isso que se pretendeu fazer, foi isso que a Defesa do Consumidor, nomeadamente a organização mais expressiva nesta matéria – a DECO, entendeu, e bem, avalizar, percebendo, assim, que esta era a maneira dos seus associados saírem incólumes das consequências da excecionalidade destes tempos.

Outros há que não se podem dar a esse luxo.