Estamos em pleno período de férias. Para milhares de portugueses chegou a altura para descansar, visitar a família, conhecer novos destinos e recuperar forças para mais um ano de trabalho. Mas será mesmo assim?

As novas tecnologias e o acesso à internet criaram o mau hábito de, mesmo em férias, se continuar a trabalhar. Infelizmente, para muitas pessoas, durante este período de descanso, a leitura dos emails profissionais continua a ocorrer quase diariamente e os telefonemas relacionados com o trabalho são frequentes. Portanto, assiste-se a uma normalização progressiva desta conduta, na qual as férias são cada vez mais invadidas pelos afazeres da vida profissional. Salvo alguns casos patológicos, a maioria das pessoas justifica este comportamento porque se sente pressionada, receando sofrer retaliações ou ser prejudicada na sua carreira, caso não esteja disponível para o trabalho durante as férias.

Afinal, o que é que está a causar tudo isto? O desaparecimento gradual dos limites entre o espaço reservado para o trabalho e para a vida pessoal tem levado a um aumento do número de casos de exaustão física e psíquica (burnout).Do meu ponto de vista, existem várias razões para este desequilíbrio.  A primeira é a ganância.  Esta expressa-se através da insatisfação constante das empresas face aos objetivos. Se num trimestre é alcançado um resultado de 100, no próximo é pedido 120, e por aí fora, uma vez que o limite é o céu. Ora, esta obstinação cria uma pressão insustentável no indivíduo, cuja mente não pode ser guiada apenas por folhas de Excel.

A segunda razão diz respeito à má utilização das novas tecnologias. O facto de hoje em dia, com um computador e um acesso à internet, ser possível trabalhar praticamente em qualquer lugar, isso não deve legitimar as empresas a sequestrar os funcionários, impedindo-os de ter uma vida privada e familiar. Por que há cada vez mais abusos, seria urgente criar uma legislação — como já acontece noutros países — que garantisse “o direito a desligar”; ou seja, o direito de não ser forçado a responder a emails ou telefonemas fora do horário de trabalho, incluindo, obviamente, o período de férias.

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A terceira razão está relacionada com uma crescente desumanização nas relações laborais. A desumanização manifesta-se pela total falta de respeito no trabalho para com a pessoa humana. Há cada vez mais empresas que estão em permanente reestruturação com despedimentos coletivos ou transferências coercivas, criando uma enorme instabilidade e medo. Veja-se, por exemplo, o que se passa há vários anos no setor bancário ou na área da comunicação social. Simultaneamente, para além de despedirem e transferirem o trabalho para aqueles que (ainda) ficam, a ordem é aproveitar ao máximo individualmente as pessoas, aumentando-lhes a carga de trabalho, naquilo que se designa de forma falaciosa por aproveitar o potencial humano; leia-se “exploração humana”. Estes são verdadeiros casos de “bullying” laboral, já que se cria um ambiente humilhante e desestabilizador, no qual existe de facto um enorme desgaste físico e psíquico que conduz habitualmente à doença e, por vezes, ao suicídio.

Finalmente, temos a ignorância como uma das causas para este ambiente doentio que se vive na vida profissional. A ignorância revela-se pela falta de conhecimento do funcionamento do nosso organismo ao nível físico e psíquico. Não é possível submeter uma pessoa a uma pressão psicológica e a um desgaste físico, a partir de um certo limite, sem lhe causar danos na saúde, alguns dos quais irreversíveis. Esses limites devem ser conhecidos (por exemplo, os cursos de gestão de empresas e de recursos humanos deveriam incluir uma disciplina sobre saúde psíquica) e respeitados, sob pena de se reduzir a produtividade e de se aumentar o absentismo por doença dos funcionários.

Estudos recentes mostram que o nosso país apresenta, em várias profissões, níveis elevados de burnout. Também na prática clínica, observa-se cada vez mais casos de doenças psiquiátricas com origem na pressão laboral. É tempo de se pôr fim a esta cultura empresarial desumana e totalitária. É urgente cuidar verdadeiramente das pessoas, renunciando a uma pressão profissional exagerada e patológica, respeitando os períodos de descanso, garantindo uma maior satisfação e realização na vida pessoal e familiar. No trabalho somos todos substituíveis, mas na família ninguém pode ocupar o nosso lugar.

Por todas estas razões, deve ser criado um novo paradigma: em férias, é imprescindível descansar.

Médico psiquiatra