Muito se tem escrito sobre o futuro da investigação científica em Portugal. É por todos admitido que a ciência é crucial para o desenvolvimento económico e social do país: só se formos capazes de produzir conhecimento inovador e de gerar empregos qualificados, subiremos na cadeia de valor e nos tornaremos num país competitivo à escala mundial. Também todos admitem os bons indicadores de desempenho passados, em particular no que se refere ao aumento do número de doutorados. Todos, ou quase todos, confirmam o caráter assimétrico da absorção de doutorados na sociedade portuguesa, com predomínio excessivo dos que estão ligados ao ensino superior e défice relativo nas empresas. Finalmente, todos reconhecem as dificuldades de integração plena de doutorados nas instituições de ensino superior (IES), gerando um grave problema de precariedade, que muito se deve ao subfinanciamento crónico dessas instituições.

As iniciativas anunciadas recentemente, por ocasião de um Conselho de Ministros dedicado à ciência, demonstram foco nesta área. Mas algumas têm suscitado dúvidas. O novo programa FCT Tenure, por exemplo, conseguirá resolver o problema da precariedade laboral de muitos dos investigadores contratados?

A avaliação da robustez das promessas de ação pode ser feita em abstrato, quando ponderamos a possibilidade de se concretizarem, ou em concreto, quando as comparamos com a realidade. Os objetivos que se anunciam para o futuro podem ser traídos pelas medidas que se adotam no presente. E, neste ponto, o ceticismo perante a política científica atual talvez deva aumentar.

Vem esta afirmação a propósito da recente notícia do reforço orçamental de 67 milhões de euros atribuído às IES. Conhecidas as limitações financeiras do Estado português, este reforço é louvável. Reconhece que a sobrecarga financeira dessas instituições se deve, em grande medida, a fatores que lhes são externos e que resultam, muitas vezes, de decisões do próprio Estado. Muitas das pressões que elas têm sentido resultam da inflação e dos aumentos salariais obrigatórios nas IES públicas. A reposição destes valores é, por isso, uma medida justa.

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Acontece, porém, que nem todas as IES viram esses valores compensados. É o caso da Universidade de Lisboa. Tendo como referência o ano de 2022, os valores estimados para o impacto da inflação rondam os 17 milhões de euros. Por sua vez, os aumentos salariais decorrentes das decisões do Estado ascendem a cerca de 18 milhões de euros. No total, e apenas por estes motivos, a Universidade aumentou os seus encargos em perto de 35 milhões. Este valor contrasta com aquele que é agora proposto pelo MCTES: são-lhe concedidos apenas 13 milhões de euros. Este montante não chega para pagar o aumento de salários (18 milhões). No total, e para repor a situação anterior, há um défice de perto de 22 milhões de euros.

A Universidade de Lisboa está na primeira linha da produção e transmissão do conhecimento científico em Portugal. Sabendo que a investigação exige recursos humanos em número adequado, tem feito o possível para renovar os seus quadros, recrutando novos docentes e investigadores, e para melhorar e expandir as suas atividades. Um dos seus objetivos é contribuir para a resolução do problema da precariedade do emprego científico.

As verbas que a Universidade de Lisboa anualmente recebe por via do Orçamento de Estado não chegam para garantir os salários de quem aí trabalha. Para se manter em funcionamento, para garantir boas condições de ensino e de investigação, para promover uma política de ação social e para investir em equipamentos, tem de gerar receitas próprias. Algumas resultam das propinas. Outras passam por verbas resultantes de concursos competitivos, à escala nacional e, cada vez mais, internacional. Mas a contribuição do Estado continua a ser necessária, pelo menos no que se refere aos recursos humanos, para que a missão da Universidade não se degrade.

A questão que se coloca é simples: se as transferências financeiras que o Estado português atribui à Universidade de Lisboa são cada vez mais escassas, não permitindo sequer repor o aumento das obrigações salariais correntes a que está sujeita (aumento que se deveu à imposição direta do Estado), como se pode pedir que a Universidade aposte numa política de renovação e expansão de recursos humanos para o futuro, capaz de manter e melhorar a sua produção científica, de garantir a plena integração laboral de todos os que aí trabalham e de contribuir para o desenvolvimento do país?

Voltemos à questão do emprego científico e do novo programa FCT Tenure. Este procura, e bem, garantir perspetivas de integração plena nas carreiras docente ou de investigação daqueles que forem recrutados. Atribui, e bem, às IES decisões nesta área, dependentes dos seus vetores estratégicos, incluindo o interesse em reforçar mais a carreira docente ou a de investigação. Mas apenas assegura a comparticipação financeira do Estado nos primeiros anos, deixando às instituições a responsabilidade de assegurar a sustentabilidade futura.

Tendo em conta a realidade atual, como se pode esperar que a Universidade invista estrategicamente na incorporação de novos quadros no futuro se nem para os quadros que agora emprega tem garantias de pagamento? Que sinal está o Estado a dar à Universidade e que garantia de política científica consistente podemos ter?