Dados recentes sobre a evolução do número de funcionários públicos levantam as polémicas habituais. Os defensores do status quo e os que procuram mais eficiência esgrimem os argumentos conhecidos. As trincheiras são o que são. Mas será que os dados agregados fornecem as pistas suficientes ou apontam os caminhos imprescindíveis que devemos percorrer? Basta contabilizar as quantidades ou há que conhecer e ponderar as competências associadas? Quais os critérios de exigência aplicados às contratações realizadas e o que prevêem as análises custo-benefício? Quais as estratégias associadas para a qualificação da administração pública? Quais os impactos imediatos e a médio prazo no nível das prestações de serviços ao cidadão? E quais os efeitos globais para a sociedade, tendo presente o que pode ser feito em termos de simplificação de processos, de recurso às tecnologias de informação e à digitalização, de políticas de inovação para adequar a oferta aos novos hábitos dos utilizadores? Estas questões são incontornáveis, fazem necessariamente parte da equação. Não há discussão séria sobre a dimensão, a estrutura e o modelo de funcionamento da administração pública que possa escapar a uma visão integrada, ou pelo menos a uma tentativa de visão integrada.

Publiquei recentemente um livro, “Serviço público”, descrevendo a minha experiência na gestão da RTP, demonstrando que as instituições públicas podem ter ciclos longos de melhoria da oferta, ganhos de relevância, inovação no mercado, mantendo ao mesmo tempo um registo de orientação para os custos e atingindo o pleno equilíbrio orçamental. Foi o que de facto conseguimos. Recuso-me a pensar que estas organizações, quando apostam na qualidade têm inevitavelmente de entrar em derrapagem nas contas, ou, no polo oposto, se funcionam com rigor económico não conseguirão realizar aquilo que é interessante e diferenciador. A vida não pode ser tão binária. Cabe aliás aos gestores fazer uma coisa “e” a outra, não uma coisa “ou” a outra. Inovação e sustentabilidade económica não podem, não devem ser incompatíveis.

Mas muito mais se poderia alcançar na esfera pública, se houvesse políticas inteligentes na gestão de recursos humanos, se as instituições pudessem administrar os seus quadros com patamares adequados de autonomia e responsabilidade, se fossem capazes de atrair o melhor talento à medida que libertam os recursos menos produtivos, se dispusessem dos mecanismos certos para premiar o mérito, para incentivar o desempenho, para fomentar uma lógica de competitividade ambiciosa. Disse muitas vezes que numa empresa como a RTP, com quase dois mil trabalhadores, nos sobravam uns duzentos (10%), mas nos faltavam outros cinquenta (2.5%), com competências acrescidas, mais polivalentes, mais jovens, mais empreendedores, mais atualizados, mais atentos ao mundo, mais velozes, mais tecnológicos. Não devemos ter receio de caminhar — nem de forma traumática, nem de forma imobilista — para resolver estes bloqueios e para preparar as organizações para um novo futuro. Vivemos hoje e viveremos amanhã em contextos de maior exigência sobre a eficácia e a transparência da máquina do Estado e também perante crescentes expectativas por parte dos próprios consumidores.

Creio que será cada vez mais premente a necessidade de ir ajustando com frequência os equilíbrios entre os inputs (as estruturas, os recursos, as culturas organizativas) e os outputs (os níveis de serviço, a cobertura das preferências e hábitos dos utilizadores). Há que olhar com pragmatismo para estas realidades complexas, em acelerada mutação, que requerem cabeças abertas e não dogmas simplistas ou fórmulas estafadas – aliás, tanto nas instituições públicas como na iniciativa privada. E o desafio essencial das lideranças é transformar as organizações à luz destes desafios. Urge actuar com bom senso mas com resolução, no imediato mas com uma perspectiva de futuro, e sempre com vista a obter ganhos de produtividade e a aumentar a capacidade de resposta.

Por isso, diria que as questões chave estão para além do tradicional “quantos são?”. Mais vale perguntar: “que competências trazem para cima da mesa?” e “como se irão organizar, que tecnologias irão utilizar, e que incentivos terão para servir melhor o cidadão”? O futuro irá mais por aí.

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