Enquanto passeamos a pé, desentorpecemos o corpo, libertamos os nossos pensamentos. É sabido os benefícios de exercitar nosso corpo. Frase feita: corpo são, mente sã. Apanhar ar é (talvez como nunca) anseio partilhado por todos em olhar paisagens fora de portas, ora sendo sinónimo de desconfinamento.

Flânerie é o termo francês conhecido para identificar o acto de passear. O flâneur era uma figura típica parisiense do século XIX. Homens exploradores e curiosos urbanos que observavam a vida das ruas enquanto caminhavam erraticamente. Enquanto deambulavam, olhavam com olhos de ver e pensavam com consciência reflexiva sobre a vida observada. Cronistas, poetas, pintores, inspiraram-se nas suas experiências errantes para criar as suas obras.

Mas, se a figura do flâneur se liga ao ambiente citadino, lembremos o caminhante peregrino e/ou o eremita que explora os caminhos pelo silêncio da natureza e também reflecte e pensa uma certa filosofia de vida.

Entre os flanêurs e os eremitas, temos os homens comuns que vão dar um passeio para descontrair e desanuviar, fazer algum exercício, descobrir paisagens pelo desafio de percorrer alguns trilhos.

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É inevitável acontecer olhar para dentro no reflexo de se olhar para fora.  Enquanto andamos, o nosso pensamento pode parecer suspenso por estarmos atentos aquilo que nos rodeia e descobrirmos a novidade. Mas a dada altura, uma ideia pode surgir;  uma memória, traçamos um plano, pensamos em alguém, debruçamo-nos sobre uma dúvida existencial, formulamos algo a partir daquilo que vimos, seja uma paisagem ou um alheio comportamento humano.

Fréderic Gros, filósofo e especialista em psiquiatria, escreveu em 2009 o seu livro Caminhar, uma filosofia. Ao longo do seu tratado filosófico em torno de um tema aparentemente banal, faz uma ode ao passear como um movimento de prazer que funciona como um antídoto à hiperconectividade das sociedades modernas. Defende a caminhada como um exercício de liberdade para o corpo e para o pensamento. Relaciona as ideias de Kant, Nietzche, Rousseau, Thoreau com as caminhadas que eles próprios faziam. Os espaços abertos e arejados como lugares de produção de pensamento foram propulsionadores de ideias e ideais. Lembremos o Super homem de Nietzche, a caminhada de 400 km feita por Ghandi para ir buscar um punhado de sal, em protesto contra a colónia britânica que impedia os indianos de o fazer.

Convidar os mais jovens para um passeio a pé só porque sim é um desafio cada vez mais difícil. Os videojogos são concorrentes mais apelativos. Conseguir levá-los a eles e a nós apresenta-se como um exercício que quando alcançado traz o alento da descoberta do tempo lento, das conversas a passo e passo. Poder oferecer uma alternativa ao imediatismo e à hiperestimulação poderá ser um ganho para todos.

Com os dias maiores e as restrições de mudança de concelho, porque não explorar a envolvência citadina e os parques próximos para dar aso a umas caminhadas em prol da saúde física e mental de todos?

anaeduardoribeiro@sapo.pt