A crise que atravessamos e as medidas de contingência no combate à pandemia por coronavírus em vigor obrigaram as Instituições de Ensino Superior a uma readaptação brusca ao ensino com recurso a plataformas digitais online, que podemos designar para melhor enquadramento de Ensino Remoto de Emergência (Emergency Remote Learning) — uma vez que integra tecnologias e metodologias de ensino características do e-learning e do Technology Enhanced Learning, formas de organização próprias do regime presencial e recursos e procedimentos também usados no modelo de Ensino à Distância.

Em bom rigor, e não querendo entrar em questões de semântica, o ensino remoto não é verdadeiro ensino à distância, que no meu entender se estabelece pela distância no espaço em que se realiza a ação formativa, e à distância no tempo, uma vez que os conteúdos disponibilizados, o percurso e o ritmo de aprendizagem não são temporalmente coincidentes nem generalizados. Ainda assim, o ensino remoto não pode ser mera transposição digital do ensino presencial no que diz respeito às dinâmicas de grupo ou às metodologias e estratégias adotadas. Esta diferença tem ainda maior impacto tratando-se de uma situação de emergência que impõe o distanciamento e o isolamento de professores e alunos, o que será obviamente fator de desmotivação pela carga de trabalho autónomo que esta modalidade comporta, mas também pelos riscos emocionais causados pela preocupação com a situação de crise sanitária, amplificada pela alteração radical dos nossos hábitos sociais e gregários.

Na Instituição de Ensino Superior Politécnico de que sou diretor, o ISEC Lisboa, também tivemos de fazer esta revolução digital repentina, e em tempo útil, o que nos permitiu que em menos de uma semana após o decreto voluntário de encerramento imediato das atividades presenciais, ocorrida em simultâneo com o da Universidade de Lisboa, reativássemos as atividades em mais de 80% na modalidade de ensino remoto. Esta transformação trouxe enormes desafios a muitas Unidades Curriculares na adaptação a esta nova realidade, em particular as de componente mais prática, característica do sistema de ensino em que nos integramos.

Alcançada a estabilidade tecnológica e a reorganização curricular, tornou-se necessário um ajustamento de procedimentos às necessidades e condicionantes dos alunos, e também às suas expectativas, mais propícios à criação de novas rotinas de estudo e de aprendizagem.

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Há uma frase proferida por John Kennedy que creio que se encaixa na perfeição no momento que atravessamos, embora o seu significado seja meramente retórico: “Quando escrita em chinês a palavra crise compõe-se de dois caracteres: um representa perigo e o outro representa oportunidade.” De facto, esta pandemia, nascida na china, é uma catástrofe sanitária, económica e social sem precedentes mas, como em toda as grandes crises que a Humanidade atravessou, é uma oportunidade de progresso e transformação da forma como passaremos a viver.

Portanto, esta crise de má memória trouxe-nos também a oportunidade de concretizar definitivamente o processo de transformação digital do ensino que há tantos anos se iniciara, mas que aqui e ali encontrava sempre obstáculos, a maioria das vezes não por incompetência dos agentes educativos, mas por medos, por receios infundados e injustificados dos que entendiam que a tecnologia seria um entrave ao ensino. Mas não é nada disso, a tecnologia só é um entrave quando se torna no foco da atenção, quando é instável, quando não responde às necessidades, quando se torna demasiado evidente, tão evidente que se converte no foco e não no meio. Quando a tecnologia está em linha com o que se pretende que ela faça, isto é, ser o meio e não a mensagem, os conteúdos passam a ser o foco e diminui o deslumbramento tecnológico que durante tanto tempo impediu que as metodologias de ensino se adaptassem à realidade da comunicação do século XXI.

Não há como travar esta revolução, ela está aí e é universal! Há cerca de dez anos, costumava dizer (nas minhas intervenções em conferências interpares da especialidade) que a tecnologia que permitia reforçar o ensino presencial, amplificando a sua eficácia e permitindo inclusive alterar os modelos de organização para aulas remotas, era uma realidade, com muito caminho para evoluir, mas uma realidade evidente. E também os alunos, uma geração que usa as tecnologias de comunicação digital e dispositivos móveis com a proficiência e naturalidade que as colocam em patamares de utilização eficiente (sem se tornarem objeto de distração), estavam já preparados.

Faltava a vontade e a determinação dos agentes do ensino. As metodologias de ensino/ aprendizagem existem de há muito e foram sendo adaptadas, as técnicas e os recursos didáticos ganharam novas ferramentas e potencialidades e os instrumentos de avaliação garantiam já uma qualidade de segurança razoável na verificação das aprendizagens. Portanto, nada disto é novo, o que mudou foi a urgência da adoção destas modalidades e tecnologias de ensino e a adaptação dos docentes e alunos a uma realidade nova. O uso de plataformas de ensino a distância já existia no Ensino Superior, como complemento às aulas presenciais, e isso foi fator determinante no sucesso da migração para o digital. Cabe agora aos docentes e aos alunos otimizarem as suas rotinas e métodos de trabalho mais adequados a esta modalidade remota. Cabe às instituições estabelecerem critérios e condições eficientes de garantia dos processos de avaliação e a sua segurança e fiabilidade. O ensino já merecia há muito uma mudança estratégica, e esta talvez seja a oportunidade que não devemos perder.

Há, no entanto, algumas reservas em cursos que necessitam de maior atenção, criatividade e reflexão – os cursos artísticos ou os que têm forte componente prática. Esta é uma realidade que me toca particularmente, uma vez que dirijo uma escola de Comunicação, Artes e Indústrias Criativas, na qual todos os cursos são eminentemente práticos. É um desafio, mas não é impossível. É possível encontrar caso-a-caso soluções e metodologias que mitiguem a ausência física, mas terão de encontrar-se formas de vencer a distância sem sacrificar os objetivos pedagógicos. Em muitos casos, terão de ser criadas condições de recuperação presencial, tão breve quando as autoridades autorizem a sua realização. Na impossibilidade de avaliação de atitudes e capacidades técnicas, adianta-se a avaliação dos conhecimentos e capacidades cognitivas do saber-saber e do saber-fazer, deixando para quando a situação de crise permitir, as componentes de saber-fazer e saber-estar que não prescindam das atividades de grupo e das práticas laboratoriais.

O que não pode acontecer, como vejo acontecer, é o docente transferir os seus métodos de ensino presencial para o online, com todos os vícios e estilos que se centram mais em si do que nos alunos, impondo uma carga de trabalhos inadequada, contraproducente e criando situações de trabalho demasiado autónomo para alunos que se habituaram a um modelo mais cadente e orientado. O ensino remoto não é pior… o pior é apenas a ausência de interação física. De resto o docente continua a ser um orientador e facilitador da aprendizagem, e não um mero repetidor de conceitos. Ele adequa os conceitos novos à capacidade de perceção do aluno e utiliza as metodologias e técnicas mais convenientes para que esses conceitos passem também a fazer parte do universo de conhecimentos do estudante, e não apenas da sua memória. Esta é aliás a missão do professor.

A hora é também de clarificação, os docentes que tenham foco no aluno encontrarão com certeza soluções e métodos eficazes para a transferência e a aquisição motivada de conhecimentos pelos alunos. Os professores que se focarem em si mesmos verão os alunos reagir negativamente, reclamarem, desmotivarem-se e desistirem do processo de aprendizagem. E os que se centrarem na tecnologia, deslumbrados com a descoberta repentina, perderão tempo, para ambos. Muito sucesso e sucesso a todos!

Professor Universitário e Diretor no ISEC Lisboa – Instituto Superior de Educação e Ciências

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.