Falar do Ensino Profissional, na sua essência, há 27 anos atrás, sempre foi falar, entre outros, de: aprendizagem modular, flexibilidade, respeito pelos ritmos de aprendizagem, situações de aprendizagem desenhadas em projetos integradores, ligação ao tecido socioeconómico local, proximidade e, fundamentalmente, uma Escola com sentido. Todas estas características, tão próprias do nosso Ensino Profissional, ainda hoje são fatores distintivos na operacionalização desta modalidade de qualificação. Mas sentimos, no nosso dia-a-dia, e ouvindo os anseios dos nossos jovens alunos, que necessitamos de uma nova ambição para o nosso Ensino Profissional.

Um novo Ensino Profissional que, enraizado na essência da sua origem, responda aos grandes desideratos da sociedade atual e futura. E com todo o peso que a palavra “futura” possa conferir, referindo-se a algo que hoje desconhecemos, mas, simultaneamente, e não menos importante, está por construir. Esta construção confere uma margem de liberdade, pois a sociedade “futura” será, necessariamente, aquilo que, em conjunto, quisermos.

É neste paradigma que as Escolas Profissionais de Portugal, e a Escola Técnica Profissional da Moita, desenvolveram, com especial intensidade no ano letivo que agora termina, processos de reflexão sobre a sua ação, procurando, por um lado, uma evolução na operacionalização das situações de aprendizagem e, por outro, a aceitação de uma disrupção necessária, em algumas dimensões das nossas atividades âncora, que confira maior coerência entre as práticas pedagógicas e o perfil de aluno que queremos construir. Uma Escola que faz aprender, em vez de ensinar, onde o aluno é construtor do seu projeto de vida; uma Escola como centro de investigação e desenvolvimento na ação, promotora de uma comunidade aprendente global; uma Escola onde as competências digitais são transversais e onde o aluno é utilizador/produtor de tecnologia e uma intencionalidade em todos os processos de aprendizagem. São estes os desígnios da nova Escola que estamos a edificar.

Numa leitura superficial, parece que esta mudança, ou evolução, é simples. Afinal, não existe nada de novo, pelo menos do ponto de vista concetual. Existe, sim, uma diferença significativa na operacionalização, pois tudo é pensado a partir do essencial. Que perfil de cidadão queremos desenvolver (cidadão e futuro profissional de uma determinada área)? E, para a construção desse perfil, que situações de aprendizagem temos de promover? Nessas situações de aprendizagem, estamos a incorporar os sonhos que estão plasmados nos projetos de vida de cada um dos nossos alunos? Para que essas aprendizagens se tornem significativas, como é que organizamos o nosso tempo e espaços pedagógicos? Temos as ferramentas e um sistema de avaliação formativa e formadora? As evidências do processo de aprendizagem são os resultados de aprendizagem de cada aluno? As competências transversais que a sociedade contemporânea nos exige estão incorporadas, de forma transversal, nas situações de aprendizagem? As empresas são apenas recetoras dos nossos alunos ou, efetivamente, constroem o aluno, tanto como cidadão e como futuro profissional?

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

É por tudo isto que se trata de uma equação complexa. Muitas vezes pensamos: “nós já fazemos assim”. E é verdade, mas quase sempre é de forma pontual e isolada. De forma intencional, articulada e permanente, já o estamos a fazer? Nesta nova gramática da reconstrução curricular, temos o currículo ditador a assumir o papel de instrumento para se atingir um perfil, e não como um fim em si mesmo. Esta é uma evolução possível para as nossas Escolas que, nas Escolas Profissionais de Portugal, está a acontecer, onde a intencionalidade da ação implica uma procura permanente sobre o sentido das coisas.

Pela génese e origem do Ensino Profissional, pelo seu atual posicionamento no sistema nacional de educação e as suas perspetivas de futuro, devemos mobilizar a nossa disponibilidade para estudar, discutir e analisar esta modalidade de educação. Quase sem ninguém se aperceber, ela foi criada (quase exclusivamente) pela sociedade civil e migrou, nos últimos anos, da margem para o coração do sistema educativo, atingindo a breve trecho 55% de todos os alunos do Ensino Secundário. Uma modalidade de qualificação que acrescenta valor aos seus alunos. Que sente e coloca algo nos seus corações. Que se reconstrói em ação, à luz da rápida evolução da nossa sociedade, onde existe um grande reconhecimento por parte dos jovens, das suas famílias, mas também do mercado de trabalho, através das empresas.

São estas as Escolas em que acreditamos para se construir um futuro melhor! São estas as Escolas 4.0. onde, em concreto queremos que os nossos alunos aprendam e percebam o porquê das coisas. Escolas onde as equipas pedagógicas são um agente facilitador no desenvolvimento de ferramentas – para um mundo incerto, desconhecido, desafiante e, certamente, cheio de novas oportunidades para todos, com vista à construção de um novo contrato social!

São muitas as expetativas e inquietações. E é este um debate para envolver todos e redescobrir o Ensino!

Presidente do Conselho Diretivo da Escola Técnica Profissional da Moita

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.