1A 13 dias das legislativas antecipadas parece que o vencedor já está encontrado: o PS. As sondagens têm reforçado essa tendência de vitória de António Costa, ao mesmo tempo que indicam uma estagnação do PSD de Rui Rio — que tinha vindo a crescer desde novembro de 2021. Será mesmo assim? Não me parece.

Os debates televisivos, nomeadamente entre António Costa e Rui Rio, deixaram claro que a governabilidade é um dos temas centrais destas eleições.

Em primeiro lugar, porque a maioria absoluta é improvável e porque a gerigonça entre PS, PCP e Bloco de Esquerda está morta e enterrada. Nem outra coisa seria de esperar quando Costa assenta a sua estratégia na penalização eleitoral dos seus antigos parceiros por terem chumbado o Orçamento de Estado para 2022.

Por outro lado, o líder do PS deixou claro no debate com Rio que, caso não tenha essa maioria absoluta, governará à Guterres — negociando diploma a diploma. Esta opção parece ser mais uma fuga em frente do primeiro-ministro para ganhar tempo até chegar a hora de um bom lugar europeu. Se Costa teve em alguns debates um ar de enfado, imagine o caro leitor se tiver de negociar diploma a diploma.

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A outra opção passa por construir uma maioria com o PAN e o Livre. O primeiro partido está em queda nas sondagens e deverá perder alguns dos quatro deputados eleitos em 2019. Já Rui Tavares não tem garantida qualquer eleição. Mesmo que o Livre consiga eleger um e o PAN consiga dois ou três deputados, será necessário que o PS fique muito perto da maioria absoluta. Nada disso é evidente neste momento.

2 O que deixa margem de manobra a Rui Rio para explorar a questão da governabilidade — um tema ao qual o eleitorado português é historicamente sensível devido à instabilidade política que existiu entre 1976 e 1987.

Rio teve uma estratégia inteligente nos debates com a Iniciativa Liberal e CDS. Não teve uma posição hostil e deixou claro que construirá uma solução de governo com João Cotrim Figueiredo e Francisco Rodrigues dos Santos. Já com o Chega recusou tal coligação mas foi uma vez mais inteligente ao tentar seduzir o eleitorado do partido de André Ventura.

Ficou, portanto, claro que Rio é o candidato da estabilidade porque, ao contrário de Costa, consegue promover com facilidade um Governo de coligação com a IL e o CDS. E ainda promete viabilizar o programa de um Governo de António Costa, caso o PS ganhe as eleições.

A mesma clareza não temos de António Costa num ponto chave: o PS viabilizará um Governo PSD/IL/CDS se o centro-direita rejeitar qualquer acordo com o Chega de André Ventura? Só o facto de Costa não ser claro sobre esta matéria é mais um ponto a favor da argumentação de que o PS promove a instabilidade e a incerteza.

É verdade que António Costa esteve num bom plano na maior parte dos debates, nomeadamente contra Jerónimo Sousa e Catarina Martins, mas perdeu claramente aquele que tinha mesmo de ganhar (o embate com Rui Rio). E a questão da governabilidade é uma bota difícil de descalçar por culpa do próprio Costa.

3 Dos debates foi igualmente possível retirar outras ideias que contrariam a tendência das sondagens. Vamos começar pelo Bloco de Esquerda. Catarina Martins apresentou quase sempre com uma atitude que mistura a falsa superioridade moral do marxismo com a arrogância típica do Bloco e as suas soluções milagrosas de tudo estatizar — sem fazer as contas a quanto isso custaria. Catarina não conseguiu explicar uma contradição insanável: porque razão derrubou o Governo se, afinal, quer que a Geringonça continue?

Ou muito me engano ou o discurso eficiente de António Costa contra o BE e o PCP vai penalizar essencialmente Catarina Martins. O Bloco pode voltar a ter uma má noite eleitoral — não tão negativa como em 2011 (ano em que perdeu quase metade da votação que tinha tido em 2009) mas próximo disso.

O PCP caiu na mesma contradição que o BE mas o seu eleitorado é historicamente mais sólido e fiel. Além disso, o efeito simpatia pela doença de Jerónimo pode atenuar a queda eleitoral.

O PAN de Inês Sousa Real já está em queda desde há algum tempo. A média de todas as sondagens (ver o barómetro do Político) dá-lhe 2% — claramente abaixo dos 3,39% do resultado de 2019. Até agora, ainda não vi nada que impeça uma queda mais acentuada.

Já Francisco Rodrigues dos Santos foi uma das grandes surpresas. Apresentou registos muito díspares. No debate com Inês Sousa Real mais parecia o irmão mais novo de André Ventura — atitude que se agravou muito no debate com o próprio Ventura. Enquanto que com Rio e Costa esteve mais moderado. A minha dúvida prende-se com a forma como o eleitorado conservador do CDS vai reagir a posturas tão diferentes.

André Ventura foi o costume: meias mentiras, meias verdades e com conversa de café sobre tudo e sobre nada. Não só defende um retrocesso civilizacional para o país com uma proposta de prisão perpétua (que nunca fez parte das preocupações centrais da opinão pública), como se percebe a léguas todo o seu oportunismo gratuito na exploração do tema da corrupção e a sua falta de credibilidade para aplicar as propostas económicas que propõe.

João Cotrim Figueiredo fechou com chave de ouro a sua participação no debate com António Costa. Ao contrário de todos os outros partidos, a IL tem apostado numa política de comunicação que assenta nas suas propostas e não na notoriedade do candidato. E foram algumas das propostas dos liberais (taxa única no IRS, introdução de um sistema de capitalização na Segurança Social) que marcaram os debates em que esteve.

Este é o ponto de partida para a campanha eleitoral. Tal como aconteceu com os debates televisivos — que tiveram grandes audiências —, também a campanha eleitoral será fundamental para esclarecer os 20% de indecisos. E pode ‘estragar’ as tendências das sondagens e a vitória que parece certa do PS.

4O mesmo se diga de uma espécie de ‘elefante na sala’ nestas legislativas 2022 de que ninguém parece querer falar: a possibilidade dos eleitores infetados com covid-19 ficarem impedidos de votar. Cerca de 130 mil pessoas isoladas ficaram impedidas de exercer o seu direito de voto nas presidenciais de 2020 mas esse número poderá crescer no próximo dia 30 de janeiro para um valor entre as 310 mil e as 720 mil pessoas — o que representa uma percentagem entre 6% a 14% dos votantes nas legislativas de 2019. A estimativa é do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge e mereceu o silêncio quase total dos partidos.

Pior ainda: a Ordem dos Médicos prevê o pico da atual vaga da pandemia para o período entre 20 e 24 de janeiro, uma data muito próxima das eleições.

Os 130 mil eleitores podem não ter tido muita importância nas presidenciais de 2020 devido à eleição antecipada de Marcelo Rebelo de Sousa. Agora a situação é radicalmente diferente: sejam 310 mil, 515 mil ou 720 mil eleitores, qualquer um desses valores pode ter uma grande importância numas eleições que podem vir a ser muito mais renhidas do que as sondagens deixam antever neste momento. E ninguém diz nada?

Moral da história: o Governo de António Costa acabou por pedir no início deste mês um parecer ao Conselho de Consultivo da Procuradoria-Geral da República. Fez, portanto, aquilo que sempre foi seu costume desde 2015: como não conseguiu antecipar o problema, sacudiu a água do capote e passou a batata quente a uma outra entidade: a (PGR). Assim, se algo correr mal, a responsabilidade será sempre da PGR — que a 13 dias das eleições ainda não disse nada.

Mais uma pergunta: quem tem a ganhar com uma subida da abstenção? A resposta parece-me óbvia: o incumbente. A mudança precisa sempre de uma elevada mobilização por parte dos eleitores dos partidos da oposição. Se esta não acontecer, o beneficiado será o poder instituído. Veremos se será assim.