Para além das crises que constituem a manifestação da epilepsia, há coisas boas e outra menos boas nesta doença que passaremos em revista neste artigo. A epilepsia é uma doença crónica do cérebro que se manifesta por crises devidas a uma perturbação duradoira, constante, de uma sua parte, maior ou menor. Embora as convulsões dos membros superiores e inferiores sejam as crises epilépticas mais conhecidas, pelo aparato que produzem, muitas outras existem com diferentes manifestações, frequentemente muito subtis, dependentes da zona do cérebro envolvida.

Contudo, é importante saber que podem ocorrer outras crises no decorrer de perturbações cerebrais agudas, não duradoiras, que não correspondem a epilepsia. Refiro-me, por exemplo, a pessoas diabéticas com hipoglicémias, ou outras, que sofrem traumatismos cranianos agudos mas pouco graves (contusão cerebral), como acontece numa cabeçada entre dois jogadores de futebol. Nestes casos, as referidas crises não se tratam, habitualmente, com medicamentos para a epilepsia.

O que é certo – e trata-se de uma boa notícia – é que cerca de 75% das pessoas com epilepsia, não gosto de lhes chamar doentes, têm as crises bem controladas, na grande maioria necessitando de medicamentos para a epilepsia, é certo, mas sem qualquer crise, ou apenas ocorrendo ocasionalmente, o que lhes permite terem uma vida normal, muito semelhante à das outras pessoas com doenças crónicas, que devem, obviamente, observar algumas restrições. Restam, no entanto, cerca de 25% de pessoas com epilepsia que têm as suas vidas seriamente abaladas, não lhes permitindo um dia-a-dia normal, ou mantendo-as dependentes, permanentemente, de cuidadores.

A epilepsia é ainda, em pleno século XXI, uma doença frequentemente ligada a estigmas de diversa ordem, nomeadamente sociais, profissionais e pessoais. Não raras vezes, a pessoa com epilepsia não socializa, não consegue manter um emprego, ou perde-o rapidamente, não tem uma vida particular estável. É um problema a que as diversas instituições internacionais e nacionais (vulgarmente chamadas Ligas contra a Epilepsia, no caso português, Liga Portuguesa contra a Epilepsia) têm devotado um trabalho árduo e persistente com resultados visíveis, mas ainda longe do pretendido.

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Outro problema são as frequentes doenças associadas à própria epilepsia, quer a que a provoca (por exemplo, um traumatismo craniano ou uma “trombose cerebral” ocorrido algum tempo antes), quer as que com ela podem coexistir (por exemplo, um problema de coração, ou dos rins), quer as que decorrem de eventuais efeitos acessórios dos medicamentos para a epilepsia, quer, finalmente, as que são dela consequência. Refiro-me neste caso, e muito particularmente, à depressão e outras doenças do foro psiquiátrico. São, ou podem ser, mais umas tantas “achas para a fogueira” da situação de pessoas com epilepsia, mas que urge controlar o mais eficazmente possível: trabalho do médico e restantes profissionais de saúde, dos familiares e cuidadores, mas também da própria pessoa com epilepsia, que deve reagir da melhor forma à sua adversidade e expor todas as suas queixas, dúvidas, ou até angústias, ao seu médico assistente, sem qualquer receio do que ele as possa considerar.

Infelizmente, a pessoa com epilepsia, tal como outra qualquer com uma doença crónica, deve ter alguns cuidados. Conduzir é uma necessidade para muitas das pessoas que têm uma vida activa, mas, para uma grande maioria, não é permitido à pessoa com epilepsia fazê-lo. A boa notícia é que, em muitos casos daqueles 75% acima referidos, essa proibição pode ser transitória, podendo a pessoa com epilepsia voltar a conduzir ao fim de 12 meses, desde que não tenha ocorrido qualquer crise nesse intervalo.

Nadar numa piscina não vigiada, na praia fora de pé, fazer caça submarina, mergulho, alpinismo ou paraquedismo são certamente atividades que não devem ser realizadas pelas pessoas com epilepsia. O próprio banho diário deve ser de duche, com a água o menos quente possível, rápido, sempre de porta aberta. Em contrapartida, aquelas pessoas com epilepsia que gostam de praticar desporto e fazer exercício físico para além do atrás referido (refiro-me, por exemplo, a jogar futebol, correr, ginásio) podem fazê-lo, sem restrições, na grande maioria das vezes sem que exista o perigo de ocorrerem mais crises.

Para além destas restrições, algumas das quais “afrouxadas” para algumas pessoas à medida que se percebe que a epilepsia está bem controlada, o que é que se pede mais? Tomar diariamente a medicação prescrita na dose e horários acertados, dormir bem durante a noite (atenção que dormir de tarde para compensar uma “noitada” não é a mesma coisa!) e restringir ao máximo o consumo de álcool (mais uma medida “afrouxada” frequentemente sempre que se percebe que a pessoa com epilepsia é cumpridora!).

E quanto à epidemia atual da Covid-19? Deverão as pessoas com epilepsia estar receosas do agravamento da sua epilepsia? A resposta, embora com as reservas impostas por uma doença de que ainda não se sabe tudo, é não. Não há qualquer evidência de que as pessoas com epilepsia, que tenham contraído a doença, tenham piorado da sua doença. A isso acontecer, pode ficar a dever-se à eventual ação do vírus no cérebro dessas pessoas, portanto uma nova doença cerebral causada pelo coronavírus, ou à diminuição da eficácia dos medicamentos que tomam para a epilepsia pela necessidade de tomar outros para controlar a doença induzida pelo vírus.

E pode vir ao seu hospital para frequentar as consultas de epilepsia? Claro, porque não? A epilepsia não é uma doença que, em regra, por si só, diminua as resistências de quem dela padece. Acresce que as medidas tomadas nas instituições de saúde, do Estado ou particulares, asseguram a confiança nessa frequência. Por outro lado, para muitas pessoas com epilepsia com doença pouco ou nada grave, a realização de teleconsultas tem sido um meio adequado e certamente seguro de as seguir – e que deverá continuar a ser utilizado para além do controlo da presente epidemia.

Ser epiléptico não é uma tragédia na grande maioria dos casos. É uma doença que tem de ser assumida, levada a sério, mas que não pode, nem deve causar mais transtornos dos que aqueles que já possa provocar. Têm a palavra os hospitais, privados ou estatais, as instituições particulares, os médicos e restante pessoal de saúde ligado a esta doença, os familiares e cuidadores e, finalmente, muito importante, as pessoas que sofrem desta doença.

Como algumas pessoas com epilepsia que me consultam me dizem, felizmente com alguma frequência: “Afinal, pensei que seria bem pior do que está a ser!” Ainda bem!