1Um inquérito da OCDE centrado na literacia e na resolução de problemas dos adultos entre os 16 e os 65 anos de 31 países, concluiu que:
- 42% dos adultos compreendem textos curtos e listas organizadas. compreendem textos curtos, frases curtas e listas organizadas.
- 40% dos adultos são capazes de fazer cálculos básicos com números inteiros ou dinheiro, compreender o significado das casas decimais e encontrar trechos de informação em tabelas ou gráficos. Conseguem adicionar e subtrair números pequenos. Mas podem ter dificuldades em tarefas que exijam várias etapas (como, por exemplo, calcular uma proporção).
- Na resolução de problemas, 42% dos adultos conseguem resolver problemas simples com poucas variáveis e pouca informação acessória e que não se alteram à medida que se avança para a soluçã Têm dificuldade em resolver problemas com várias etapas ou que exijam a monitorização de múltiplas variáveis. E compreendem, no máximo, problemas muito simples.
- Os adultos com formação universitária em Portugal denotam menos literacia do que os adultos com apenas formação secundária na Finlândia.
- Os níveis de competências dos adultos portugueses têm implicações na empregabilidade e nos salários. No bem-estar individual e no empenhamento cívico.
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Estes resultados obrigam-nos a concluir que a escola falhou! Existir quase metade de portugueses que, depois da sua escolaridade, revelam carências gritantes de conhecimentos significa que a escola não os conseguiu trazer para um conjunto de aprendizagens básicas que se repercutissem e multiplicassem pela vida fora.
Revelam, também, que, se a bandeira do facilitismo não pode abrigar todos os motivos que colocam Portugal literalmente no penúltimo lugar entre os países avaliados, a escolaridade obrigatória não se está a traduzir nos ganhos indispensáveis que deveria ter. O que nos obriga a perguntar se a forma como ela promove o conhecimento não precisará duma profunda avaliação.
E revelam, ainda, que a escola como elevador social acaba por, considerado o todo da população escolar, uma miragem. O atraso português perdura. Acentua-se. E transmite-se de geração em geração. Com implicações inequívocas no desenvolvimento. Na economia. Na prosperidade. No bem-estar. Na política. E nos índices de felicidade dos portugueses.
3 Mas tentemos pensar a escola mais em perspectiva.
Todos nascemos competentes para aprender. Mas, sendo assim, de que forma é que a escola, ao ensinar-nos, pode ter contribuído (muito!) para comprometer essa capacidade? De que forma comprometeu a escola o engenho para a curiosidade, o desejo de saber e o prazer de aprender dos alunos, a ponto disso de fazer sentir depois de terminada a sua escolaridade obrigatória?
Como se pode esperar uma educação para a vida se a escola parece educar mais para competências afuniladas, para o sucesso financeiro e para a empregabilidade e com isso parece ter-se tornado pouco uma escola de vida?
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Mas, afinal, para que serve a escola? Qual é a utilidade daquilo que se aprende? Até que ponto é que as áreas de aprendizagem correspondem a conhecimento consolidado que, depois da escola, não só não esmorece como se lapida e aprofunda, se diversifica e se estende? Como comunicam a escola e o mundo e com que impacto o fazem na formação dos estudantes, ao longo do seu percurso educativo? Como se avaliam os alunos? Até que ponto as notas que lhes atribuímos correspondem aos seus desempenhos reais ou nos temos vindos todos a encolher diante das carências que eles manifestam de forma recorrente? É admissível que os alunos que chegam ao ensino superior dêem inúmeros erros de ortografia e tenham limitações inequívocas numa análise de conteúdo, na estruturação dum texto ou na sua apresentação? Correspondem as notas de acesso ao ensino superior a um nível cada vez mais elevado de conhecimento dos alunos portugueses ou não acompanham todas as competências indispensáveis que eles precisariam de ter para lá entrar? À parte da forma com adquirem livros por sugestão de influencers, quantos livros, fora dos livros escolares, os alunos portugueses lêem, de facto, ao longo dum ano? Lêem jornais ou grande parte da informação que lhes chega se faz via redes sociais? Se são, hoje, tão mais solicitados para a palavra – através de muito mais horas de histórias contadas e dos inúmeros livros que são, desde muito cedo, colocados ao seu dispor – como se compreende que essa imensa Torre de Babel fique tão comprometida com as distorções que os écrans trazem à sua fluência verbal e à sua literacia? Como é que com carências assustadoras na numeracia se pode esperar que construa um pensamento lógico, competências de síntese e de perspectiva? As aprendizagens essenciais devem nortear a educação ou precisamos de repensar as disciplinas, os programas, a pedagogia, os métodos de avaliação e as classificações escolares que lhes atribuímos? Mais escola será, realmente, melhor escola? Mais escolarização, mais formação universitária e mais investigação científica estarão a ter o impacto desejável, a longo prazo, na vida dos portugueses?
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A escola tem-se preocupado a ensinar. Mas nem sempre desafia para pensar. Às vezes, pareceremos educar os nossos filhos mais para a passividade do que para o amor pela vida, pelo conhecimento e pelo futuro. E, no entanto, uma escola que não os educa para serem activistas em relação a tudo aquilo em que acreditam, condicionou-os para o laxismo. Apesar de ser uma escola preciosa e indispensável estará, ainda assim, longe de prestar o serviço público que todos esperamos dela.
Afinal, pode a sabedoria aprofundar-se sem recurso à palavra, à lógica e à perspectiva? Pode a saúde mental organizar-se à margem da necessidade da palavra? Pode a democracia ser promovida pela ignorância? Pode o desenvolvimento fazer-se sem que seja em conluio com a sabedoria? Pode quem se entaramela com as palavras ser livre e ser feliz?
6 Até que ponto a escola de hoje está adequada à sabedoria com que as crianças chegam até ela e até onde é que se consegue adequar, com métodos que traz do séculos XIX aos alunos screenage?
De que forma é que, ao assumir a necessidade duma educação inclusiva, não está a escola a reconhecer, implicitamente, que restringe e exclui? E, se for assim, a escola esbate ou reproduz e amplia as desigualdades sociais das crianças, a partir do momento em que lá entraram?
Será que a escola, ao não os incentivar a pensar em grupo, estará a prepará-los para viverem em conjunto?
Não está a escola a promover, mais do que devia, o narcisismo, quando nos encaminha a todos para a forma como se privilegiam as notas ao conhecimento? E quando proliferam notas e mais notas inflacionadas; quadros de honra, de mérito ou excelência; ou rankings e mais rankings? Não estará a escola a escorregar mais para o narcisismo do que para o aprender a aprender? Quanto menos seguros daquilo que sabem ou de quem sentem que são mais os nossos filhos se tornam ciosos em se mostrarem. E isso é trágico!
Afinal, onde estão os alunos líderes dos rankings aos 30 anos? Pretende a escola, no final de contas formar, sobretudo, em alunos muito bem classificados para entrarem na universidade ou a transformá-los em boas pessoas, capazes de indagar, de perguntar, de duvidar e de conhecer?
Deve a escola continuar a desenvolver, sobretudo, competências e habilidades ou a pegar nos nossos filhos e a contribuir para que eles sejam pessoas que pensam, que interpelam e opinam?
Não fará mais sentido que a escola promova o aprender a aprender, o aprender a pensar e o aprender a ser?
Pode-se esperar melhor escola e mais educação se aos professores quase tudo se exige e quase nada se lhes dá ?
Como podem eles continuar a ser crianças sem que, contudo, não deixem de ser adultos melhores que nós?
Como é possível continuarmos a falar do valor de educar quando, de forma acanhada, reconhecemos em tantas pessoas (sem nada que lhes oponhamos) uma relação tão displicente com a má educação? Pensando no futuro, o que é mais caro: a boa ou a má educação? Se o preço da má educação é sempre mais irreparável e mais exorbitante que o da boa educação, do que é esperamos?
Fará sentido continuar a escolarizar da mesma forma ou não será urgente reinventar a escola?
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Sou a favor dos alunos que se distraem com uma mosca! E tudo contra o facto da escola não ser capaz de cativar essa sua atenção – fulgurante! – para a surpresa e para o espanto. Uma escola que não educa para o valor de perguntar desencontra-os do privilégio de pensar!
Sou a favor dum escola que os ajuda a pôr perguntas à vida. A mandar nela. E a fazê-la com a sua cara. Uma escola que se fica no aqui e agora da escolaridade e não se questiona acerca da utilidade daquilo que ensina é uma escola que funciona; sim. Mas arrisca-se a não ser uma escola amiga do futuro.