Todos os anos é a mesma azáfama quando são publicados os rankings escolares. Como as cerejas, eles chegam pontuais para gerar a discussão eternamente repetida sobre os seus méritos e deméritos, lançando uma cortina de fumo sobre a realidade escolar, prestando-se a todo o tipo de aproveitamentos, nomeadamente políticos, dando até ensejo a discursatas demagógicas sobre a qualidade das escolas que, não raro, se assemelham àqueles programas de rádio, que fazem as delícias dos Portugueses, onde a opinião é livre e a asneira não merece castigo.

Entendamo-nos, os rankings, por mais voltas que lhes queiram dar, apenas ordenam escolas por classificações obtidas por alunos em exames, sendo ilegítimo querer daqui concluir sobre a qualidade das escolas e, eventualmente, comparar estatais e privadas.

Vejamos, uma comarca pode ser apenas qualificada pelo número de processos que transita num ano? Um juiz é apenas classificado porque despachou mais processos? Um hospital apenas porque tem tempos de internamento inferiores? Um médico apenas porque vê mais doentes? E a lista poderia continuar. Então e as escolas podem ser classificadas apenas por um único elemento de avaliação, decorrente de circunstâncias completamente incomparáveis? Sim, podemos comparar notas, mas estas traduzem realidades sócio-pessoais muito diferentes e não é legítimo fingir ignorá-las como se mais nada houvesse a justificar as diferenças registadas numa simples prova, a não ser a classificação diferenciada por cada um/uma obtida.

Há muitos anos que a investigação educacional identificou fatores fundamentais de desigualdade escolar ou que se manifestam em contexto escolar sendo a primeira, sem qualquer espécie de dúvida legítima, o contexto familiar dos/as alunos/as. É consabido que os/as alunos/as oriundas de meios sociais favorecidos, que vivem em contextos com interações sociais mais estimulantes, com acesso mais frequente a eventos culturais, com experiências de viagens que abrem horizontes, são tendencialmente melhores alunos/as. Aliás, é também sabido que as mães ocupam um lugar privilegiado no sucesso dos descendentes, pois quanto mais escolarizadas e mais atentas ao seu percurso escolar, mais probabilidades aqueles têm de obterem melhores performances nas escolas.

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Naturalmente os/as professores/as têm um importantíssimo papel, mas não conseguem superar fatores que em muito os ultrapassam. Um grande chefe de cozinha baseia o seu sucesso na qualidade dos produtos que utiliza, mas um/uma professor/a não escolhe, trabalha com os/as alunos/as que lhe aparecem, se estiver numa escola que recebe a elite, tem condições completamente diferentes de um/a colega que trabalha com alunos/as que vivem em bairros de lata.

E o ambiente escolar, influencia o sucesso? Certamente, mas há comparação entre uma escola que recebe estudantes do Restelo ou da Foz e uma que serve bairros sociais? A organização da escola até pode ser semelhante, os/as professores/as podem ter competências idênticas, mas o resultado terá, necessariamente, de ser muito diferente e as interações estabelecidas no decurso das atividades terão características muito diferenciadas.

A avaliação de uma escola é um processo complexo que implica ter em conta um conjunto de critérios e indicadores que não se podem resumir a classificações e Portugal tem já uma experiência consolidada decorrente das avaliações realizadas desde há anos, quer pela Inspeção Geral da Educação e Cultura (IGEC), para os ensinos básico e secundário, quer pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES). As únicas escolas que ainda não são obrigatoriamente avaliadas são as privadas do básico e secundário que não recebem apoios do Estado, precisamente as que figuram nos primeiros lugares dos rankings.

Por razões que a razão desconhece, os resultados dos processos de avaliação, seja no básico e secundário, seja no superior, que são públicos e estão disponíveis nas páginas digitais da IGEC e da A3ES, não despertam a apetência nem o interesse dos rankings, havendo uma clara preferência por estes, quando os outros consideram um leque diversificados de parâmetros e estes apenas uma classificação, com todo o relativismo a que uma simples nota académica tem de ser associada.

Sejamos realistas. Que empresa contrata hoje um colaborador só por ter uma classificação académica superior? Apenas em concursos burocráticos estatais de que é bom (mau) exemplo o concurso nacional de colocação de docentes, se aplica esse princípio deletério que é considerar apenas uma classificação como fator diferenciador. Todos sabem que este princípio é falacioso, não garante nada mais do que uma posição num ranking que pode não traduzir qualquer diferenciação positiva de uns/umas concorrentes em relação a outros/as.

Associado aos rankings vem a velha polémica sobre a qualidade das escolas privadas se sobrelevar às estatais por cada vez mais aquelas ocuparem os lugares cimeiros. É uma falsa questão, não se trata de qualidade, trata-se de terem estudantes que pelas suas origens sociais conseguem melhores performances escolares. Tudo o que nestas escolas é considerado melhor decorre da “matéria-prima” e esta está claramente identificada, só estudantes que possam pagar mensalidades elevadas as frequentam e considerando o que a investigação comprova, e já se referiu, está explicada a diferença de pontuação com a agravante de nas estatais não ser possível fazer seleção dos estudantes e naquelas haver uma seleção natural em função da disponibilidade financeira das famílias.

Evidentemente que não se pretende pôr em causa a necessidade de se melhorar o ensino que se faz nas escolas estatais, mas não se julgue que se trata apenas de um problema pedagógico ou de investimento, é verdade que melhores docentes podem contribuir para escolas com melhores resultados e mais fundos são sempre bem-vindos, mas não são estes os problemas estratégicos, a questão de fundo é organizacional e de liderança.

O modelo de gestão das escolas estatais é um dos principais aspetos a merecer reflexão, fundado nos princípios da gestão democrática e no que ela tem de mais perverso, a ideia de que à competência de gestão e à capacidade de liderança, deve prevalecer a confiança democrática, o modelo tem-se enquistado ao longo dos anos e não há evolução visível, apesar de hoje se exigirem competências académicas e experiência de gestão que há anos eram dispensáveis.

Gerir uma escola nos tempos atuais é liderar uma PME ou mesmo uma grande “empresa”. Com a criação das atuais unidades de gestão, nalguns casos verdadeiros conglomerados de escolas, vulgarmente designados como mega-agrupamentos, exigem-se aos seus dirigentes competências de gestão e liderança, muitas vezes incompatíveis com as características dos que se candidatam ou são eleitos pelos Conselhos Gerais, estes também sujeitos a condicionamentos localistas e muitas vezes politizados, mais preocupados com outros itens do que com as competências gestionárias e de liderança indispensáveis à adoção de planos estratégicos que mudem as escolas, as façam evoluir e as transformem em organizações inovadoras e apontadas ao futuro.

Tal como já acontece no ensino superior, e à semelhança de muitas empresas, é também importante que nas escolas básicas e secundárias, estatais ou privadas, sejam implementados sistemas internos de garantia da qualidade, que permitam às famílias e às comunidades, de forma fundamentada e transparente, aferir da qualidade da organização, dos docentes, do pessoal de administração e serviços, do ensino praticado, da atividade dos gabinetes de psicologia, dos projetos, da internacionalização, entre outros, conjunto diversificado de fatores que influenciam decisivamente as aprendizagens dos estudantes.

É este o caminho que deve ser trilhado e quando se tiver em conta que a qualidade de uma escola é muito mais do que o somatório de classificações de exames, os rankings elaborados em Portugal relativos às escolas básicas e secundárias serão relegados para a posição que lhes compete, um mero indicador circunstancial de uma pequeníssima parcela da realidade educativa.