Sou professor há 20 anos. Com 17 anos, sabia bem o que não queria ser “quando fosse grande”. Não queria estar fechado num escritório, não queria trabalhar sozinho, isolado. Sabia que queria envolver-me com pessoas, ajudá-las, fazer parte de um processo coletivo mas não sabia como concretizá-lo numa profissão. Na indecisão típica de um adolescente e depois de ter ficado perto de entrar em Medicina, a hipótese de ser professor afigurou-se como bastante apelativa. Os professores tinham estatuto social, ouvia-se dizer que terminavam as carreiras com bons ordenados e que tinham horários flexíveis.

Juntei o meu gosto pelo desporto ao desejo de trabalhar com jovens e licenciei-me em Educação Física e Desporto.

Hoje, tal como eu na sua idade, o meu filho mais velho, perto dos 17 anos, não sabe em que área trabalhar no futuro mas sabe bem o que não quer. Não quer ser professor. Nem ele, nem o seu grupo de amigos. Leciono no ensino secundário e são muito poucos os alunos que hoje em dia ponderam ser docentes.

O que mudou nestes 20 anos? O que se alterou na imagem da profissão ou do ensino para tornar a profissão tão pouco atrativa?

Há 20 anos, havia livros de ponto. Havia quadros com giz e apagador. Havia presidentes de conselhos diretivos que eram eleitos pelos seus pares. Havia disciplinas que, mesmo não sendo iguais, não eram tão diferentes como hoje. Os donuts estavam na moda e usar sapatilhas brancas era foleiro. Havia alunas que tinham a menstruação três vezes por mês e por tão preocupante condicionante não podiam realizar as aulas de Educação Física. Havia explicações mas não esgotadas como nos nossos dias. Há 20 anos não existiam agrupamentos, nem PIT (Plano Individual de Transição), nem DAC (Domínios de Autonomia Curricular), nem MAIA (Monitorização, Acompanhamento e Investigação Pedagógica).

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Havia telemóvel mas o seu único propósito era… telefonar e enviar sms. Havia professores nas escolas (pasme-se!) com menos de 30 anos. Muitos por sinal.

O que mudou 20 anos depois? Hoje em dia, há diretores, conselhos gerais e cada vez mais politiquice nas escolas. As alunas diminuíram os episódios da súbita e repetida enfermidade. Os livros de ponto são uma espécie em vias de extinção. As burocracias multiplicaram-se exponencialmente. Os telemóveis de modo ocasional ainda são utilizados para telefonar e enviar mensagens.

Há 20 anos, não existia a desilusão e a desmotivação que hoje reina na classe docente. Expetativas de carreiras defraudadas, progressões atropeladas, instabilidade nas colocações, conteúdos programáticos extensos ajuizados por exames nacionais que definem o ritmo mecanizado das escolas. No meu caso concreto, estive 16 anos retido no 1º escalão de uma carreira com 10 escalões apesar de sempre ter tido boas avaliações. Quantos colegas são contratados há mais de 25-30 anos? Milhares. E se todos os anos exercem a sua função numa escola é porque são necessários ao sistema de ensino. E o que dizer da instabilidade de todos aqueles que continuam, ano após ano, a mudar de escola, de cidade, de região, interrompendo as suas vidas familiares sem qualquer tipo de apoio logístico?

A sociedade é hoje muito diferente do que era há 20 anos. É essencial que o sistema de ensino se adapte e acompanhe a realidade. É necessário reconhecer e motivar a classe docente. Ir ao encontro das motivações dos alunos. Envolver os professores na descoberta de novos caminhos que sirvam as necessidades atuais dos jovens.

Os professores são os agentes educativos que podem conduzir a uma mudança de alguns paradigmas. É necessário incentivar projetos que são uma resposta irreverente e inovadora para que atividades não meramente curriculares e as ditas curriculares, possam coexistir, simultaneamente, num sistema de ensino que formate menos e humanize mais. É muito importante modificar o conceito e a conceção atual. Uma educação menos reativa e mais proativa, uma educação com menos rótulos, menos etiquetas e com mais singularidade e pluralidade. Uma educação menos distintiva e mais diferenciadora, pois habitamos um mundo que padece de aceitação da diferença e exagera na distinção da igualdade. Um todo onde se abata a exclusividade e se semeie a inclusão. Num sistema de ensino que se preocupe menos com a chegada e se foque mais na viagem. Um modelo que diferencie a igualdade e que distinga a diferença. Que dê competências emocionais e criativas e não apenas competências curriculares e programáticas.

A importância da educação, diz muito sobre as prioridades de um país. Não é possível tornar a escola um lugar central de transformação social e de preparação para o futuro, com professores desiludidos, cansados e tristes.

O que têm feito os sucessivos governos em relação aos professores? Como diz uma colega: “Burocratizou-se, descredibilizou-se e desrespeitou-se” aqueles que estão sempre prontos a ir à luta, em prol dos alunos, numa missão cheia de romantismo e ideais.

Muito poucos professores desistem. A grande maioria da classe é responsável, equilibrada e correta. Aliás, tenho a certeza de que muitos vão muito mais além do que o que lhes é pedido. Talvez esteja aí outra das questões a refletir. É que com mais ou menos pancada, mais ou menos desiludidos, mais ou menos motivados, vamos todos fazendo o nosso trabalho com um sentido de responsabilidade apurado e, na maioria das situações, bem feito…

É urgente cativar jovens para a carreira docente pois corremos o sério risco de, muito em breve, não termos professores. Para tal, é necessário reconhecer e motivar os que por cá estão. O quanto antes…

Professor de Educação Física. Vencedor da Menção honrosa no Global Teacher Prize 2021 “Adaptação e Inovação no ensino à distância”

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.