Principio com uma pergunta simples: fará sentido inovar sem pensar no doente? Sim… e não.

Sim, em tese, porque não é o doente que prescreve ou paga diretamente (a principal parcela) dos medicamentos que consome. De um modo simplificado esse é respetivamente o papel dos médicos e dos estados/seguros que, por via do contexto regulamentar vigente, são os principais interlocutores da indústria farmacêutica.

Não, decididamente, porque a todos deve preocupar quem importa tratar: o doente.

Esta questão só se coloca porque, ironicamente, se promoveu o afastamento entre a indústria farmacêutica e os doentes, ainda que com o nobre desiderato de garantir um maior escrutínio técnico-científico e evitar abusos. Não é por isso de estranhar que o “foco no doente” seja o mote para inúmeros debates, conferências, palestras e fóruns de discussão que visam aprofundar argumentos e ideias para recentrar o ecossistema da saúde.

A respeito do tema li num relatório de um conceituado summit anual da indústria farmacêutica a recomendação de se criar um departamento “patient-centric” como forma de promover a “patient-centricity” nas estruturas organizacionais do sector. Uma sugestão bem-intencionada, que prima até pelo mérito de reconhecer a existência de uma lacuna, mas com a qual não concordo. O pensamento no doente não é tarefa de um departamento, é a missão de todos!

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Um bom exemplo de inovação centrada no doente são os recentes desenvolvimentos no domínio da adesão à terapêutica. Em novembro deste ano a FDA (Food and Drug Administration) aprovou o primeiro medicamento com um sistema digital para controlo da ingestão. Trata-se de um fármaco para a esquizofrenia (aripiprazol) que por via de um sensor acoplado comunica com um adesivo previamente colado ao doente. A informação recebida pelo adesivo é depois passível de ser capturada por um smartphone, permitindo ao próprio doente, ao seu médico ou a um cuidador confirmar se o medicamento foi tomado.

Paralelamente, muito está também a suceder no campo da denominada “medicina personalizada”. Na essência, o conceito não é novo: trata-se de proporcionar um tratamento adequado às características específicas do doente. Historicamente tal tem sido conseguido através da prescrição da “molécula certa” na posologia indicada. No tratamento oncológico das últimas duas décadas assistiu-se a um desenvolvimento acelerado das denominadas terapias targeted, uma forma mais sofisticada de personalização. Por via de biomarcadores tumorais é possível conhecer com detalhe os subgrupos de doentes mais indicados para determinado fármaco, identificando o estádio e progressão expectável da doença. Isto permite melhorar a resposta terapêutica e reduzir os seus efeitos secundários. Estes ganhos em segurança e eficácia estão documentados em inúmeros estudos e mostram um caminho promissor, não só na oncologia, mas em muitas outras áreas da medicina, como na psiquiatria ou na cardiologia.

Note-se que a inovação centrada no doente não significa necessariamente de que o espírito empreendedor tenha de partir de um outro agente. Atente-se ao caso de Tal Golesworthy, um engenheiro de meia idade com síndrome de Marfan, uma desordem do tecido conjuntivo que lhe afetava particularmente a artéria aorta e que requeria uma intervenção urgente.

Descontente com as opções cirúrgicas que lhe foram apresentadas, Tal optou por desenvolver uma solução alternativa. A mesma foi um sucesso, salvando-lhe a vida e constituindo-se presentemente como uma forma eficaz de debelar problemas cardíacos semelhantes.

É possível por isso suspeitar de que estamos ainda a iniciar uma fértil trajetória de inovação científica na saúde. A mais-valia das soluções a encontrar futuramente, bem como a sua rapidez de adoção, estão dependentes de três orientações estratégicas que me arrisco vaticinar:

  • Aprofundar a investigação: misturando ciência, tecnologia e informação, trabalhadas por equipas multidisciplinares e especializadas;
  • Atualizar o paradigma regulamentar: adaptando leis, institutos e guidelines às exigências modernas que requerem decisões expeditas, transparentes, dialogadas e bem documentadas: para que a ciência não se corte e sangre de morte nas arestas da burocracia;
  • Incentivar e premiar: não só aqueles que tentam, mas sobretudo os que conseguem. É necessário encontrar um equilíbrio entre produção em saúde (cirurgias, consultas, exames, medicamentos) e ganhos em saúde.

Em resumo, (re)centrar a inovação no doente não é uma escolha, é um imperativo. O mesmo implica que legisladores, prestadores, cuidadores e cidadãos se sintam encorajados a fazer diferente. Pelo bem de todos nós.

Engagement Manager, Consulting IQVIA Portugal