Em poucas semanas começa a Feira do Livro de Lisboa. No mês passado, aconteceu a Bienal do Livro de São Paulo. Ao entrarmos em qualquer um desses eventos, uma falsa impressão se instala: UAU, o evento está lotado, as pessoas estão consumindo muitos livros – e isso é um ótimo sinal.

De fato é lindo ver o movimento que esses eventos atraem e eu, como escritora, ressalto o quão fundamentais são a valorização e a multiplicação de eventos desse tipo, incentivando a leitura e a importância cotidiana dos livros. Ocorre que o fato das pessoas irem a esse tipo de evento uma vez a cada ano (ou a cada dois anos, no caso da bienal), não quer dizer que elas efetivamente leiam livros o ano inteiro. Aliás, nem quer dizer que elas efetivamente comprem livros nas feiras.

As pessoas não são educadas para a leitura. A forma de imposição de leitura em muitas escolas frequentemente configura mais um desfavor do que um incentivo para crianças e adolescentes. Não levar em conta os gostos e interesses dos mais novos em relação à leitura é praticamente o mesmo que obrigá-los a comer comidas das quais não gostam. É claro que é preciso apresenta-los aos livros de boa qualidade- assim como é preciso introduzir os bons alimentos nas suas refeições. Mas dentro do que é bom, é preciso que haja liberdade de escolha e respeito às suas personalidades. Caso contrário, os livros serão logo vistos como vilões.

Soma-se a isso o fato de que num mundo de imediatismo e da ditadura do útil, resta pouco espaço para a leitura. A leitura demanda tempo, demanda calma e demanda, acima de tudo, dedicação integral. Não é possível ler enquanto se assiste às notícias ou enquanto se envia e-mails de trabalho no fim da noite. E nós desaprendemos a dar atenção integral a uma única atividade por vez- exceto quando se trata de fixar os olhos no feed de uma rede social qualquer.

A paz de espírito que um livro pede (e ao mesmo tempo proporciona) dificilmente harmoniza com as rotinas que nos são impostas – e que, por vezes, impomos até às nossas crianças. E não há outra forma possível: ou as crianças se habituam a ler vendo seus pais lerem, ou dificilmente o quadro é reversível. Pais (e demais educadores) que passam uma parcela enorme do tempo com os olhos fixos numa tela de iPhone não são capazes de influenciar minimamente uma criança a ler através de discursos vazios de que “ler é importante para a inteligência”.

Cada vez mais livros viralizam por aparecerem no TikTok. Há quem ache isso lamentável. Eu, definitivamente não concordo. Não, não são as obras de Camões que se tornam trends. E nem precisam ser. Porque são páginas. São histórias. São ideias. E se isso ajuda a criar nessas gerações o hábito de ler, os livros virais do TikTok são necessariamente bem vindos.

Livros são o presente, assim como são o passado e o futuro. Livros se adaptaram – tornaram-se digitais, tornaram-se áudio. Livros encontraram forma de nos acompanhar, seja qual for a nossa realidade e a nossa rotina. Livros nos transportam, nos acrescentam, nos conduzem. Mas eles sofrem de carência. Sofrem de esquecimento. E nos esperam calados enquanto estamos mergulhados em telas, copos e prazos.

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