A recente preferência da Direita europeia por uma vertente mais populista ressurge no período pós-crise financeira de 2012, onde a resposta política foi essencialmente dada por via de mais intervencionismo, mais proteccionismo e opção por mais gastos públicos (em detrimento de uma afectação mais eficiente dos recursos públicos), implicando dívidas públicas em rápida expansão e taxas de crescimento medíocres. A este processo junta-se, posteriormente, a versão mais folclórica dessa nova Direita, actualmente personalizada por Trump e Bolsonaro, mas cujas diferenças são mais estéticas que conceptuais.

Num passado não muito longínquo, a Direita conservadora e democrática baseava-se num compromisso entre a intervenção estatal – numa óptica de regulação e protecção social moderada – e o liberalismo económico, donde resultava uma dialéctica quase centenária entre a tradição católica e o pensamento liberal, personificado em Reagan ou Thatcher. Esta dialéctica falhou a concretização das suas premissas nesse período pós-crise, ao permitir que a expansão do Estado servisse, quase unicamente, para proteger e salvar o sector financeiro à custa de outros serviços do Estado, mesmo que, sob a correcta presunção teórica, seria benéfico para evitar o colapso da economia real. Na prática, porém, retumbou num enorme fracasso político, cujas ondas de choque ainda hoje se podem sentir.

Assim, actualmente em Portugal, pouco sobra dessa Direita abrangente e com uma proposta para o país.

O PSD, que a espaços ocupava o espaço centro-direita tradicional, assumiu finalmente o seu cariz social-democracia no sentido mais europeu do conceito, mais conotado com o centralismo e o assistencialismo do que com a livre iniciativa privada, tornando-se com naturalidade numa derivação marginal da proposta de centro-esquerda.

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O CDS-PP, que se apresentava como a vertente mais vincadamente de Direita, não resistiu a uma vertigem pelo centro, com um impulso por um conceito mais populista e menos conservador. Esse conceito, curiosamente, viria a falhar não pela proposta em si, mas pela incapacidade de posicionamento correcto numa questão sindical de professores, cujo ziguezague político não foi perdoado pelo seu eleitorado potencial de então. Com a nova direcção, o partido perdeu o seu peso tradicional na sociedade. O líder é, notoriamente, impreparado e sem carisma, tendo ocupado o seu tempo a conter a naftalina fechada no armário que abriu para se eleger. O CDS-PP corre sério risco de completa irrelevância dada a inexistência de uma proposta política para o país.

Entretanto, surgem duas novas propostas à Direita, ajudando à pulverização de votos e propostas.

A Iniciativa Liberal afasta-se de princípios conservadores, indo muito para além do conceito de livre iniciativa económica, elevando o individualismo a foco principal da sua proposta política. Aliado a uma capacidade comunicacional brilhante, o apelo por uma diminuição do peso do Estado – principalmente via diminuição de impostos – tem cativado eleitorado que, pela primeira vez em muito tempo em Portugal, tem uma opção puramente liberal disponível.

O Partido Chega assume-se como populista de forma descomplexada, usando e abusando das bandeiras da segurança, do nacionalismo e do tradicionalismo, em linha com partidos europeus de cariz semelhante, que obtiveram razoável sucesso eleitoral. Este epifenómeno tem servido para realinhar todo o espectro político em Portugal, não sendo expectável que a sua duração seja tão curta no tempo como poderia ser desejável. Note-se como em França, aquando do ressurgimento da FrontNational(hoje redenominado Rassemblement National), com Marine Le Pen, levou a uma pulverização e transformação do espectro político, inclusivamente com a implosão do Partido Socialista Francês, à Esquerda, assim como de um total realinhamento das propostas da Direita moderada.

A Direita necessita urgentemente de um projecto e de uma estratégia para o país consubstanciados numa proposta política atraente. Numa altura de enorme influxo de fundos europeus, o momento é crucial para construir os alicerces de um crescimento económico estrutural e duradouro. Urge que essa Direita deixe de comentar a espuma dos dias e lance a sua proposta política, tendo como pilares a Economia, o Estado, o Ambiente, o Social e a Governança.

A Economia: priorizar e potenciar a criação de riqueza e crescimento, sustentados numa estratégia baseada em mais exportações de valor acrescentado, balança comercial positiva, e com uma estrutura de incentivos correctos ao investimento: menor carga fiscal, especialização nas vantagens comparativas quer da indústria quer dos serviços, arquitectura legal que proporcione atrair mais investimento, direcção da economia para apostas em sectores de futuro, como a digitalização e a economia verde.

O Estado: redefinir o papel do Estado como regulador da economia, mais eficiente e integrado nos seus serviços e com uma função social robusta para que ninguém fique deixado para trás, incluindo nos serviços de saúde e de educação.

O Ambiente: preparar a economia para a revolução verde, nomeadamente incentivar uso de energias mais limpas, preparar as empresas para a diminuição de emissões de carbono e criar os ecossistemas logísticos, fiscais e legais necessários para colocar Portugal numa situação em que beneficie das apostas por opções mais sustentáveis ao nível europeu, ao invés de se colocar numa situação de inevitabilidade pela mudança tardia.

O Social: elevar a preocupação social, promovendo a protecção e inclusão social, solidariedade, a justiça intergeracional e propondo soluções para as consequências do envelhecimento da população. As bandeiras da protecção ao contribuinte e do incentivo à natalidade deverão ser assumidas.

A Governança: promover a reforma do sistema judicial através de mudanças de governança, que o torne mais eficiente e ágil. Deverá, igualmente, permitir aumentar a capacidade de vigilância e monitorização contra a corrupção.

Este tipo de proposta à Direita é essencial para o saudável balanço democrático entre Esquerda e Direita. Na Direita, o equilíbrio institucional entre conservadorismo de costumes e a livre iniciativa privada foi, durante décadas, feito com razoável sucesso pelo CDS-PP, mas a recente opção de liderança tornou-o num partido moribundo e inconsequente.

Apesar de tudo, o eleitor de Direita tem hoje, necessariamente, mais oferta, embora a dispersão implique menores (ou inexistentes) economias de escala num contexto eleitoral e – pior – uma dispersão de conceitos com menos concatenação. Esta falta de englobamento das diversas vertentes de Direita, não obstante, fica muito aquém das necessidades de um espectro político que se deseja multidimensional e profundo.

Esta Direita, portanto, não chega.