É claro que pensarmos implica termos consciência daquilo que se pensa. Ter uma ideia sobre isso. Estimar uma lógica que liga as coisas que se pensam. Perspectivá-las. Discorrer. E agir sobre elas. Mas é, também, claro que a forma como a sensibilidade e a atenção se ligam, segundo após segundo, nos permite perceber que a maneira como transformamos a experiência emocional é um outro tipo de consciência. Ligando atenção, emoções (que, em rigor, são aquilo a que vamos chamando pressentimentos) e competência para conhecer em flashs súbitos de imagens que se ligam. E que nos guiam. Ligação que, qual piloto automático, nos torna capazes de acumular informação premium, todos os dias. Mesmo quando nem sequer temos a sensação de estar a pensar.

A nossa capacidade de pensar nunca adormece. Liga e religa imagens. E costura metáforas e símbolos, a toda a hora. A imaginação é uma forma de consciência. E a mente uma incansável produtora de símbolos. Em rigor, quer na sua raiz etimológica como no dia a dia do sistema nervoso, símbolo é tudo o que liga. Mesmo que, em inúmeros momentos, não desconstruamos as metáforas e os símbolos que produzimos, espontaneamente, e não perscrutemos o seu significado, sufragando-os com a racionalidade. Ligando esse aparente contraditório de fontes de informação — linguagem racional, para um lado, linguagem emocional, para o outro — num pensamento que se abre ao conflito, à síntese, à perspectiva e à capacidade de transpor os limites do tempo. Numa consciência alargada a que podemos chamar, simplesmente, intuição.

Feitas as contas, temos consciência de tudo o que passa dentro de nós e à nossa volta. O tempo todo! Mesmo quando essa consciência nos atropela com uma mudança súbita de humor. Aparentemente, “por nada”, como costumamos dizer. O que quer dizer que a forma fulgurante como sentimos e intuímos as coisas vai sempre alguns passos à frente da racionalidade do pensamento lógico, por exemplo. O que torna a consciência tranquila, de que falamos, seja tão banal e tão simples como quando, sempre que falamos dela, damos a entender que será. Daí que a ideia de inconsciente – que inspirou a psicologia e, como todos os conceitos inteligentes, transbordou de dentro para fora dela – não suponha um lado obscuro, animal e impulsivo de nós. Mas pilhas e pilhas de informação que pensamos, mesmo sem querer. Que, às vezes, não entendemos. Diante das quais, doutras vezes, nos fazemos desentendidos. Ou que, pura e simplesmente, tentamos iludir. Ou renegar. “Varrer” para debaixo do tapete. Recalcar. Fazer por não pensar. Por outras palavras, atendendo ao equipamento de base que todos temos, impossível é, mesmo, não pensar. Por mais que muitas pessoas pareçam disfarçar muito bem.

Seja como for, talvez tudo isto só faça sentido quando se trata de conversarmos acerca da “consciência tranquila”. “Tenho a consciência tranquila” ou “estou de consciência tranquila” quase parece supor duas partes de nós que dialogam entre si: uma, que observa e interpela; outra que sente. Que começa por não ser tão fácil assim. Até porque a consciência tranquila supõe um sentimento de unidade interior e de alguma beatitude com o que se passa cá dentro. Seja como for, as expressões, em si, são notáveis. Tranquila não significa calma, contida ou controlada. Tranquila supõe estar-se em paz connosco mesmos. À margem do conflito. Mas como à paz (interior) nunca se chega sem se atravessar o conflito, estar de consciência tranquila não supõe termos carradas de razão. Nem quer dizer que teremos feito tudo bem feito (como, tantas vezes, quem o afirma o dá a entender). Pelo contrário, estar de consciência tranquila supõe que, depois de percebemos os nossos erros, reconhecemos, com humildade, que fizemos o melhor que fomos capazes. À consciência tranquila nunca se chega sem mergulharmos naquilo que sentimos e sem reconhecermos as nossas contradições. Em rigor, é realmente muito difícil conseguirmos estar de consciência tranquila. Sem pesos na consciência, digamos assim. Num alinhamento entre aquilo que pensamos e tudo o que sentimos onde, à primeira vista, tudo parece ter encontrado o seu lugar. Não, não é impossível estar de consciência tranquila. Mas, considerando o que sentimos, o que nem sempre assumimos que pensamos e aquilo que a razão admite que pensemos, estar de consciência tranquila talvez represente, na maior das vezes, uma maneira para alguém que foge aos seus pesos na consciência nos iludir com a forma como se “vende” como pessoa bem resolvida. O que, valha a verdade, nem sempre corresponde aquilo que ela será. Afinal, quando estamos de consciência tranquila, porque é que precisaremos tanto de a afirmar junto dos outros?

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