Estar na política sem querer tirar nada dela é, em falta de um vocabulário melhor, f*****.

Entrar é fácil, é certo. Mas já dizia James Gandolfini enquanto Tony Soprano: Once you’re into this family, there’s no getting out.

Durante muito tempo vivi a minha estadia no mundo da política como um conto de fadas, porque era efectivamente assim que mo tinham vendido.

Convenci-me de que para além de ser óbvio o objectivo comum que todos estaríamos a partilhar, seria essa uma das mais (se não a mais) importantes concessões a ter a priori: O serviço público.

O acto de servir (proveniente do latim servitium) que se traduz literalmente pelo o acto de servidão, não afasta também a origem que dá posteriormente a sua definição no dicionário como o ato de ser útil a algo ou o de atender a um propósito maior.

Feliz ou infelizmente, o filtro cor-de-rosa que advém da entrada neste universo acaba naturalmente por desvanecer, quanto maior for a sua estadia. Começo obviamente pelo conceito da meritocracia, que é talvez uma das mentiras mais obscenas que rotineiramente vi ser repetida ao longo dos anos. Quer fossem novos ou velhos, estes agarram-se de uma maneira exaustiva a um conceito ao qual dizem atribuir todo o valor das suas escaladas, ainda que umas mais horizontais que outras.

Estar na política como quem assiste a um jogo de futebol, é fácil. Tal como numa ida à bola, o adepto torce apaixonadamente pela sua equipa de eleição, assiste a algumas rasteiras indevidamente marcadas como faltas, mas no fim do dia continuará a tomar a decisão de voltar religiosamente aos jogos, pelo o amor que tem à camisola.

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Ora, neste universo paralelo em que coabitam espécimes únicos de uma estirpe que devia ser continuamente um caso de estudo, o problema centra-se nos que escolhem de livre vontade permanecer neste habitat. O amor à camisola que ultrapassa qualquer lógica racional a troco de nada, era o que me fazia crer que nem tudo estaria perdido. Eu não acredito em bruxas, pero que las hay las hay.

O que é facto é que tardiamente realizei que a política não é para os honestos. E nunca será. Numericamente são menos os que, por vias mais honrosas, conseguem usufruir correctamente dos meios para atingir os fins. A história mostra-nos que é paulatinamente o inverso. Os fins justificam sempre os meios e tudo o que desviar da norma, só tem duas opções: ou se adapta ou morre.

Numa perspectiva mais básica da coisa, Darwin explica a luta pela sobrevivência através de uma teoria animalesca genial, que se aplica na perfeição. A teoria da seleção natural bem como a metáfora da sobrevivência do mais apto de Herbert Spencer, constituem os mecanismos evolutivos da ascensão na política, onde os princípios base são o amiguismo profissional (não fosse a cunha ser um conceito tão tipicamente português) e a hipocrisia latejante que existe na pseudo-defesa dos valores morais da cartilha de princípios que tantos mencionam nos seus discursos.

Nunca me revi em quem tem a política como um ódio de estimação ou um tabu. Sou capaz de dizer que respeito tanto uma pessoa que tenha esta aversão intrínseca (seja ela por que razão for) como respeito quem instrumentaliza o meio político para seu próprio benefício. E, imagine-se, ambos nascem e crescem no mesmo ambiente em que operam. Um choque para alguns.

Choquem-se ainda mais por saber da falta de noção abissal que existe neste meio, pelo total descrédito que a opinião pública tem nos seus governantes, nos que assumem a responsabilidade de prestar um serviço público ao País. Porque será?

A pergunta que faço não se dirige a quem tem esta óbvia descrença, mas a quem é alvo da mesma. Várias foram as vezes que me questionei se há falta de um espelho para este tipo de carácter ou se simplesmente a classe política está permanentemente afecta a um efeito vampírico de não conseguir aparecer num. Achava eu que o Halloween era apenas no mês de Outubro e dou por mim já rodeada de bruxas e vampiros. E ainda não vimos nós os esqueletos que podem estar no armário.

A tendência que persiste em romantizar este mundo em que se entra, podia bem ser substituída pelo aviso néon em letras garrafais: Atenção, está a entrar numa via sem retorno. Ou até mesmo: Cuidado com o cão que não ladra, porque provavelmente morde e é quando menos espera.

Dizia-se que à mulher de César não bastava ser [honesta], era também preciso parecer ser [honesta]. Readapto agora para algo similar: à política não basta parecer ser honesta, é preciso que esta seja efectivamente honesta. E visto que esta não o é, e cada vez tende menos para parecer ser, então a mim parece-me que o meu “estar” cada vez tende mais para não ser aqui.