Cada Verão é finalmente Verão, mais um Verão, um Verão a menos. Às vezes causa alegria, às vezes agonia ver passar as estações. Ninguém à nossa volta está na mesma nem as coisas são iguais, apesar das repetições. Os bebés do ano passado já andam. Nas fotografias, os velhos têm agora os olhos vidrados (a vida dos olhos deles terminou no Verão passado, ou mais atrás ainda).

Todos os anos somos personagens da mesma regularidade e também testemunhas de mudanças inesperadas. Nascem pessoas, outras partem, outras chegam. Comemos peixe e cerejas. Fumamos à janela. Deixamos de fumar.

Podemos já não ter tudo pela frente a cada Verão: nem as longas noites à conversa, nem o sabor na boca — ácido e doce — de que podemos ser qualquer coisa, recomeçar vezes sem conta, fingir que nos esquecemos de outros Verões.

À medida que os Verões se sucedem, muito se transformou. O relógio certo da natureza é esmagador, mesmo quando a destruímos.

Não sei quando o Verão deixa de ser uma possibilidade em aberto para se tornar uma escusa que a natureza nos dá: para envelhecermos com roupas leves; para andarmos dentro de água; para nos esquecermos dos desperdícios de tempo e imaginarmos que para o ano é que vai ser.

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Uma vez vi num filme dois velhos à espera da morte a ler jornais. Deitada num sofá, ela lê a ele o seu horóscopo. Ela parece não ligar nenhuma às previsões esperançosas. Ele também não. Caminham da sala para a cozinha ciosos das suas obrigações: o pequeno-almoço, o chá da tarde, a ceia, os medicamentos, pouco mais.

Uma das coisas maravilhosas dos seres humanos é a nossa tenacidade para fazer planos, nem que seja o plano de regar as plantas logo à noite, porque é Verão; o plano de comprar açúcar, porque acabou; o plano de esquecer. Até quando durará? Às vezes penso que um dia estaremos todos cansados e aceitaremos que chegámos finalmente ao futuro. Mas todos os Verões, o mesmo casal de rolas reencontra-se no ramo de um pinheiro à minha janela ao fim do dia, com uma pontualidade conjugal, e penso que planear se parece com amar. Fazer planos é estar vivo.

Djaimilia Pereira de Almeida é autora de Esse cabelo (Teorema, 2015) e Ajudar a cair (FFMS, 2017).