Estamos a pouco menos de duas semanas da votação para eleger o novo Parlamento Europeu. As duas perguntam mais recorrentes são que percentagem de lugares será obtida por partidos antieuropeus e que consequências a subida exponencial destes partidos terá no funcionamento das instituições.

As previsões mais negativas – e eventualmente mais realistas – apontam para que um terço dos eleitos representem partidos que, de uma forma ou de outra, têm grandes reservas relativamente à validade do projeto europeu ou estão mesmo dispostos a unir esforços para transformar a Europa como a conhecemos. Como já escrevi anteriormente, a União Europeia está num impasse e precisa de reformas. Mas prefiro mudanças ponderadas e graduais ao contrário de muitos candidatos que, se forem eleitos, tudo farão para levar a cabo uma transformação abrupta e não necessariamente no espírito mais democrático.

Muita tinta tem corrido acerca destes movimentos, muito diferentes entre si, mas pouco amigos do liberalismo e das instituições supranacionais. Mas tem-se falado muito menos de questões extraeuropeias que contribuem, em muito, para um contexto favorável aos desenvolvimento e crescimento destes atores. Falo de dois fenómenos interligados: a transformação do sistema internacional nos últimos anos em direção a um equilíbrio entre três potências diferentes em capacidades, mas convergentes na visão do mundo; e da ascensão dos chamados “homens fortes”, que têm colaborado ativamente para uma mudança significativa na forma como os estados se relacionam.

Relativamente ao primeiro elemento – o equilíbrio tripolar – independentemente de como venha a decorrer a transição de poder, neste momento, o sistema internacional é dominado pelas relações entre três potências: a China autoritária de Xi Jinping, a Rússia ultranacionalista de Vladimir Putin e os Estados Unidos da América, que continuam a ser uma democracia sólida, mas cujo comandante-em-chefe é, neste momento, um dos tais “homens fortes” referidos acima.

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O que quer dizer que as organizações internacionais de pendor liberal – político e económico – bem como as normas de espírito democrático que regulavam as relações estre os países, estão cada vez mais vazias. Estão a dar lugar a uma visão internacional profundamente soberanista, em que cada estado compete pelo seu interesse nacional. Se nada se transformar, é natural que nos próximos anos assistamos a tensões cada vez frequentes entre potências, quer sobre questões globais, quer sobre estados terceiros, uma vez que a cooperação internacional – que sempre foi limitada, mas que permitia um certo convívio social entre os países amenizando potenciais conflitos – foi relegada para segundo plano.

O segundo elemento – de que Donald Trump é um exemplo importante – é a dita emergência de “homens fortes”. Estávamos habituados a associar expressões desta natureza a líderes autoritários – de que Vladimir Putin é um exemplo importante, não só porque o início do seu percurso se assemelha aos de que falaremos de seguida, mas também porque a Rússia é um modelo (e um aliado) para muitos destes chefes de estado. Mas nos últimos anos assistimos à eleição deste tipo de líderes em democracias dispersas pelo mundo: desde logo nos Estados Unidos, na Índia, no Brasil e na Turquia. Mas também em países mais pequenos como a Polónia e a Hungria.

São líderes que partilham pelo menos quatro características: (1) foram eleitos democraticamente com uma mensagem populista muito forte; (2) recorrem ao nacionalismo nativista (às vezes étnico, outras religioso, ou aos dois simultaneamente) e a sentimentos patrióticos exacerbados – assentes em narrativas históricas alternativas e visões pessimistas manifestamente exageradas – para legitimar o seu poder e aumentar a sua popularidade perante as opiniões públicas, desanimadas com as lideranças anteriores; (3) tentam – uns com mais sucesso que outros, dependendo da resiliência das instituições democráticas – concentrar o poder à volta deles mesmos e dos seus partidos, e reduzir a influência dos opositores; e (4) são revisionistas na sua política externa.

Este último ponto conflui com o primeiro elemento: são países que têm tentado “desliberalizar” (passe o neologismo) as relações entre estados, dando prioridade ao seu interesse nacional, mesmo que isso aumente as tensões internacionais. Em poucos anos, voltámos a um mundo de competição entre grandes potências, sem que estas se tenham sentado a negociar um novo sistema normativo. Apenas como resultado da convergência à volta dos valores da soberania pelos estados com maior preponderância, o que também é uma consequência de sucessivas mudanças internas.

Assim, as eleições para o Parlamento Europeu têm um quadro internacional que favorece o crescimento de eurocéticos. E é por isso mesmo que a única resposta que os cidadãos podem dar é votar nas opções liberais. A Europa tem muitos problemas e um longo caminho a percorrer relativamente ao seu próprio futuro. Mas pela primeira vez, desde a II Guerra Mundial encontra um quadro externo (e interno) desfavorável à sua forma de vida. Por isso mesmo, nunca foi tão importante sublinhar e viabilizar um conjunto de valores num mundo que cada vez é menos liberal. Por uma questão de sobrevivência.