Na legislatura anterior, o Governo, apoiado pela Geringonça, conseguiu melhorar as contas públicas. Num contexto económico muito favorável, com a economia e o emprego a crescerem desde 2014, baixas taxas de juro e forte contenção do investimento público, foi possível compatibilizar algumas das exigências da coligação dos partidos de esquerda com a sustentabilidade das contas públicas.

Hoje, vivemos num quadro económico e financeiro muito diferente. O país e o mundo são assolados por uma grave crise sanitária e económica sem fim à vista. Há uma grande incerteza sobre o regresso à normalidade e sobre a recuperação das economias. Está em curso uma reconfiguração da globalização, que poderá transformar imenso a economia europeia e mundial ao longo da próxima década.

Portugal enfrenta, assim, grandes desafios no curto, no médio e no longo prazo. No curto prazo, importa mitigar os efeitos da forte recessão económica no emprego e no rendimento das pessoas e proteger o tecido empresarial mais exposto aos efeitos da pandemia. No médio e longo prazo, importa garantir a sustentabilidade das contas públicas, promover a competitividade da economia portuguesa, maior resiliência a choques externos e as transições digital e climática.

Na realidade, aqueles dois horizontes temporais, o curto e o médio e longo prazo, estão interligados. As decisões que tomarmos este ano e nos próximos anos vão afetar-nos no médio e no longo prazo. O orçamento para 2021 e para os próximos anos são decisivos para o futuro do país.

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Urge clarificar os programas políticos e económicos em que assentarão os próximos orçamentos. Caso contrário, corremos o risco de os orçamentos serem cada vez mais uma soma de medidas avulsas e inconsistentes. Os efeitos negativos desta indefinição política ou de estratégia podem não ser tão sonantes ou mediáticos como as da muito temida crise política, mas as suas consequências podem ser igualmente nefastas.

A necessidade de um orçamento expansionista para o ano de 2021, com um aumento da despesa e uma redução da carga fiscal, não suscita dúvidas, como reafirmou o ministro da Economia em entrevista ao Dinheiro Vivo. Não podia ser de outra maneira. A atual crise é provocada por uma forte quebra da procura, visível na forte redução do consumo das famílias, das exportações e do investimento.

Nesse sentido, são acertadas algumas das medidas já anunciadas. A extensão do lay-off para o apoio à proteção do emprego e à preservação das empresas. O estímulo ao consumo na área da hotelaria através da recuperação de IVA. A criação de um novo apoio social para os trabalhadores independentes desempregados.

Porém, do ponto de vista económico, a proteção do emprego, nas atuais circunstâncias, não é salvaguardada com a proposta de aumento do salário mínimo. Por um lado, quer-se proteger o emprego, o rendimento dos desempregados e manter vivas as empresas. Por outro lado, sobrecarregam-se os custos das empresas, aumentando os riscos de insolvência.

Por sua vez, o investimento público pode ser muito eficaz para compensar a contração do investimento empresarial. Nos últimos anos, o investimento público manteve-se em valores muito baixos, estando na origem de debilidades económicas e sociais do país. Vários investimentos, que visavam suprir necessidades há muito identificadas, foram sendo sucessivamente adiados devido à necessidade de controlar a despesa pública. A melhoria da eficiência energética de habitações e edifícios públicos, as camas para cuidados paliativos, o reforço da disponibilidade em lares para idosos, equipamentos informáticos para as escolas, infraestruturas essenciais à competitividade das empresas, o reforço do Serviço Nacional de Saúde, a renovação dos comboios e os melhoramentos na rede ferroviária ou o eterno problema dos meios aéreos para combate aos fogos florestais.

O Governo anterior destacava entre as suas realizações a estabilização do sector bancário. Esta tem sido alcançada com grandes custos para os contribuintes. A última transferência para o Fundo de Resolução, que se previa que fosse incluída no Orçamento para 2021, fecharia o processo de saneamento financeiro do Novo Banco. Quando se antecipam tempos difíceis para a banca, as negociações orçamentais vieram lançar, mais uma vez, incerteza sobre a estabilidade do sector bancário. Esta reviravolta é surpreendente dado que a solução da venda do Novo Banco foi acompanhada e apoiada pelo governo da Geringonça, com as implicações desse acordo refletidas em todos os orçamentos do Estado desde 2017. A solução pode ter sido mal desenhada e todo o processo deve ser escrutinado. Mas nesta altura qualquer outra solução que não seja concluir o atual acordo sairá mais cara aos portugueses, no curto prazo e no longo prazo.

À inconsistência de algumas medidas das negociações orçamentais em curso veio juntar-se uma declaração surpreendente do primeiro-ministro. António Costa anunciou que Portugal não irá recorrer aos cerca de 15 mil milhões de empréstimos disponibilizados no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência da UE. Este anúncio é o reconhecimento da fragilidade da situação económico-financeira do país. Num contexto de grande incerteza em relação à recuperação da economia, o aumento da dívida pública pode colocar em causa a sua sustentabilidade.

A manifestação de responsabilidade do primeiro-ministro em relação à situação financeira do país é contraditória com as propostas em discussão de aumentos de pensões e dos salários dos funcionários públicos. O governo está disposto a abdicar de empréstimos da UE em condições muito favoráveis em nome da estabilidade financeira, mas parece disponível para aumentar pensões e salários. Estas contradições orçamentais podem sair-nos muito caras.