Num sopro, desvaneceu-se mais uma ronda eleitoral no nosso país. Por entre a azáfama do rescaldo eleitoral, emerge agora a efervescência dos atores políticos e seus sequazes, os quais se vão desgrudando, por um lado, dos catastróficos resultados alcançados e, por outro, fazendo valer o seu ímpeto criativo para colher os frutos desse vasto e paradisíaco pomar dos orgulhos, quando embalados por um resultado que lhes é favorável. Outros, vão “sacudindo a água do capote” enquanto fazem interpretações “à lagardère” de números desagradáveis, quiçá transformando derrotas em vitórias, numa proeza com contornos bíblicos, digna da conversão da água em vinho.

Todavia, faz parte do teatro político que nos consome e entretém, numa perfeita simbiose entre a mais nobre e recreativa arte e a ríspida condição humana, onde está em jogo a seriedade das causas que nos movem, as tomadas de decisão que nos afetam, as medidas que vão influenciar as nossas vidas. O rescaldo eleitoral é, por isso, de elementar clarividência quanto à aceção das várias interpretações, dos cenários que se idealizam.

Pese embora todas as evidências, na imersão deste marasmo, sobressai aquilo que nos transmitiu Lawrence Durrell: o essencial é passar através de tudo sem perder o aprumo. E é com a suprema preocupação com o aprumo, pautando a atuação dos últimos governantes e daqueles que se veem indigitados para renovar as responsabilidades políticas no governo, que estes recorrentemente se referem à abstenção e ao desinteresse como um flagelo nacional. Afinal de contas, os números atingiram os píncaros: 45,5%!

A pieguice da abstenção exprime-se por “balidos e lágrimas de crocodilo”. Nas últimas eleições europeias, nestas eleições legislativas, a comiseração desinteressada fez parte do protocolo. Seguem-se 4 anos e a inércia é proporcional ao desinteresse: assim vão os incautos, arautos da vontade popular. Decorrido o elogio fúnebre ao defunto, cada um segue desafogadamente a sua vida. Uns, indigitados, fazendo o teatral porta-a-porta às sedes dos partidos do seu espetro ideológico à esquerda, com a antedita soberba empática dos resultados eleitorais alcançados, contando, claro está, com a preciosa, porém, dissimuladamente amarga “ajuda” dos abstencionistas; outros, preferem externalizar culpas e não assumir responsabilidades por derrotas que, face à transparência bradada, lhes deviam incumbir.

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Mesmo com o cardápio de partidos políticos à mercê, o descrédito regozija-se entre, sobretudo, os mais jovens. Num país de contas “certas”, mas adornadas e presas pelos arames da vedação do BCE e das guerras comerciais de EUA e China, de serviços públicos depauperados, de salários baixos, de mísero poder de compra, com a maior carga fiscal de sempre, os nepotismos de pacotilha, tudo é varrido para debaixo do tapete e aprumado à mais fina estética e ética por parte de esquerda e extrema-esquerda. Nada disto, porém, serviu para alavancar a participação sobretudo dos que perfilharão o futuro deste país. Os motivos são mais que válidos: campanhas obsoletas assentes num modelo que exala mofo; os sucessivos escândalos envolvendo figuras do governo; a sensação de penitência fiscal incessante a uma classe média trabalhadora e a ausência de reciprocidade de um Estado castigador; entre os jovens, os baixos salários que contrastam com as expectativas de vida acalentadas.

Os resultados do PSD demonstram que a estratégia redundou num exímio falhanço no auguro das esperanças. Não devemos, porém, ter ilusões quanto ao futuro. A social-democracia portuguesa tem um papel essencial a desempenhar, mas, quando a situação geral é má, a sua tarefa não será fácil, nem imediatamente compensadora. São grandes as possibilidades de crescimento do Partido no contexto atual. Na minha opinião, não se trata tanto de disputar eleitorado aos outros partidos, mas sim de dinamizar a vida nacional, restituir às pessoas um mínimo de confiança e de esperança, fazê-las sair da apatia e indiferença em que se encontram. Em suma, conquistar para a democracia ativa, para uma social-democracia moderna, a grande massa dos abstencionistas que constituem percentagem maior do que a de qualquer dos partidos. Trata-se, tão simplesmente, de transformar a “mediocracia” em que nos vamos afundando num regime em que a liberdade, a igualdade de oportunidades e a solidariedade não sejam promessas vãs.

Os resultados do PSD demonstram que a estratégia redundou num exímio falhanço no auguro das esperanças. À ausência de prudência de ambas as partes, não há, acima de tudo, resposta convicta dos principais responsáveis políticos da atualidade. Exige-se um projeto alternativo à altura do que acalentam os infortunados e os desalentados. A renovação que se impera passará, por isso, pela guinada na estratégia até aqui delineada, rumo a uma terceira via da social democracia.