Aproxima-se a curto prazo uma alteração aos estatutos da Ordem dos Advogados. A proposta apresentada, no seu artigo 194º, refere que “podem requerer a sua inscrição como advogados estagiários: a) Os titulares de licenciatura em Direito com o grau de mestre ou de doutor, ou o respetivo equivalente legal, e bem assim com Pós-Graduações reconhecidas pela Ordem dos Advogados, nomeadamente LLM, sendo este requisito dispensado na eventualidade da licenciatura ter sido alcançada ao abrigo de organização de estudos anterior à vigência do Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de março”.

Significa isto que a maior atrocidade dos tempos modernos para com os estudantes de Direito está na eminência de acontecer. Caso estes novos estatutos da Ordem dos Advogados sejam aprovados, desta data em diante, os jovens licenciados em Direito não vão poder realizar a inscrição no estágio da Ordem dos Advogados sem previamente concluírem um ciclo de estudos que lhes acresce cerca de dois anos ao prazo do término da sua vida académica, ciclo este que lhes atribui o grau de mestre.

A Ordem dos Advogados devia repensar seriamente esta questão e colocar de forma ponderada todos os prós e contras da realização desta alteração estatutária em cima da mesa, e devia ainda ouvir a opinião dos estudantes de forma atenta, pois na realidade da vida prática, os visados serão sempre, diretamente, os estudantes de Direito.

Depois de uma demorada reflexão sobre o tema, consigo encontrar inúmeras desvantagens para todo este leque de jovens.

Em primeiro plano podemos identificar a questão temporal. Uma licenciatura em Direito, realizada de forma 100% perfeita (sem deixar uma única vez uma cadeira por fazer) tem um prazo mínimo de quatro anos e a estes quatro anos de licenciatura acresce os cerca de dois anos de esforço que nos é exigido na concretização do estágio e exame final da Ordem dos Advogados, que é famoso pela elevada taxa de reprovação.

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Temos então um total de seis anos de estudo e esforço, isto, claro, no cenário mais perfeito, passando sempre em todos os obstáculos ao longo de seis anos, até que possamos começar finalmente a exercer. Isto é o que temos neste momento em vigor.

Caso esta alteração aos Estatutos da Ordem dos Advogados se concretize, e só os jovens com o grau de mestre se possam inscrever no estágio da Ordem dos Advogados, o tempo mínimo  passa a ser imediatamente de cerca de oito anos de estudo até que possam, finalmente, entrar no mercado de trabalho, o que significa que um jovem que entre aos 18 anos na faculdade, e tenha um percurso completamente perfeito, só aos 26 anos poderá começar a dar os primeiros passos num mercado de trabalho já tão saturado e competitivo.

A questão temporal revela ainda uma complexidade que muitas vezes passa despercebida e essa recai sobre o aumento das desigualdades sociais que, depois de uma pandemia, vão ser ainda mais acentuadas neste mundo através desta alteração estatutária. É do conhecimento geral que a realização de estudos de ensino superior é algo que exige gastos dos mais variados – propinas, deslocação eou habitação, alimentação, material de estudo, etc; muitas famílias fazem um esforço enormíssimo para proporcionar as melhores condições possíveis a nós, os estudantes. O esforço financeiro de todas estas famílias vai ser aumentado em cerca de mais dois anos, englobando todos os gastos já referidos neste período, e olhando sempre para o cenário mais perfeito (entrada no ensino superior aos 18 anos e um percurso sem uma única falha) percebemos então que estes jovens vão ter que ser suportados financeiramente pelo menos até aos 26 anos.

Se o jovem em questão reprovar em algumas cadeiras em todo este percurso de oito anos, ou entrar aos 20 anos no ensino superior, devido às mais variadas questões que o podem motivar, e que é tão comum com o sol nascer de manhã, este jovem só irá poder conhecer o mercado de trabalho, no mínimo dos mínimos, aos 28 anos.

Quase trinta anos de vida sem independência ou possibilidade de produtividade financeira não é algo digno para os jovens que tanto lutam por uma vida melhor, não é aceitável para as famílias que tanto se esforçam para suportar os nossos ciclos de estudo, nem tem qualquer lógica do ponto de vista da organização de um país que atravessa e continuará a atravessar uma “pandemia de desemprego jovem” como recentemente foi referido, e muito bem, pela Presidente da Federação Académica do Porto, Ana Gabriela Cabilhas.

Do ponto de vista pedagógico, também não consigo encontrar justificação alguma que leve a esta alteração. Não fará sentido que durante cerca de dois anos um estudante seja obrigado a focar todos os seus estudos numa área concreta do Direito – na realização do seu mestrado com tema e área concreta – e mais tarde tenha que voltar a reativar todos os seus conhecimentos para realizar um exame proposto pela Ordem dos Advogados que abrange todos os conhecimentos em Direito de forma geral.

Poderia encher várias páginas enumerando motivos e razões pelas quais esta alteração não deve ser levada avante, mas vou tentar agora pedir a todos que reflitam em conjunto, como comunidade de estudantes unida, sobre quais as vantagens desta alteração para os estudantes de Direito ou para o mercado de trabalho nesta área. Eu, pessoalmente, não encontro causa alguma que pese o suficiente para justificar esta alteração, causa alguma que justifique quase trinta anos de uma vida sem produtividade laboral e de enorme esforço humano e financeiro.

O “aumento da qualidade dos nossos advogados” não poderá, em momento algum, ser causa justificativa para esta alteração. Existe um famosíssimo exame final da Ordem dos Advogados, conhecido pela sua dificuldade elevada, onde todos os licenciados são avaliados em pé de igualdade, com o mesmo grau de dificuldade e critérios de correção. Este é o momento concreto e basilar da nossa análise de qualidade por parte da Ordem dos Advogados.

Deixo, assim, um apelo à Ordem dos Advogados, que repense esta questão atempadamente e com todas as suas atenções voltadas para o enorme impacto social negativo que terá no universo constituído por todos os estudantes de Direito do país, os atuais e os futuros.

Sei que muito em breve o Conselho Nacional de Estudantes de Direito irá batalhar esta questão e continuar o seu excelente trabalho na real defesa dos interesses dos estudantes de Direito. Eu, enquanto presidente da Associação de Estudantes da Universidade Portucalense Infante D. Henrique (AEPortucalense) e Secretário-Geral do Núcleo de Estudantes de Direito e Relações Internacionais da Universidade Portucalense Infante D. Henrique (NEDRI UPT), cá estarei, lado a lado com o Conselho Nacional de Estudantes de Direito (CNED), sempre que o tema seja a proteção dos nossos interesses, a defesa da igualdade de oportunidades relativamente a outras áreas, sempre motivada pela razão, equilíbrio e moderação. Esta foi a responsabilidade que me foi confiada por todos os meus colegas quando me elegeram Presidente da AEPortucalense e que me foi também confiada pelo corpo de docentes quando me elegeram Secretário-Geral do NEDRI UPT. Aqui estarei, sem qualquer momento de hesitação.

Para concluir, deixo um apelo à participação de todos os estudantes de Direito, de Norte a Sul do país, na manifestação pacífica organizada pelo Conselho Nacional de Estudantes de Direito, de uma coragem de enaltecer, no dia 17 de setembro em Lisboa, junto à Ordem dos Advogados, com o intuito de representarmos as nossas vontades de forma realmente ativa, sem pressões políticas, sem influência dos famosos interesses estrangeiros no mundo do Direito, manifestando a nossa opinião de forma unida e pacífica.