No seguimento das eleições para o Parlamento Europeu tem havido, como se esperaria, um corrupio de opiniões e conselhos. Com a “esperteza” de me manifestar depois dos outros e assim diminuir a probabilidade de repetir uma banalidade, ao mesmo tempo que aumento a de poder roubar uma boa ideia, não resisto a acrescentar a minha opinativa opinião (deliberadamente pleonástica).

Lamento nunca ter tido a oportunidade de poder juntar ao meu estipêndio médico a possibilidade de, televisivamente ou até em formato radialista, emitir umas opiniões sobre nada e quase tudo, com enfoque maior nas matérias de que nada sei. Estou certo de que com a devida gravata, voz grave e discurso pausado, estaria em posição de palrar umas palavras que não destoariam do melhor comentário com que diariamente nos brindam os media áudio e visíveis. Quem sabe, uma hexagonadura do pentágono, um costas com costas – vá lá, de Costa já temos chegue – até mesmo um governo ao sol, já que o sombra até é bom e muito divertido, ou um em cima e abaixo?

Note-se que distingo o comentarista do comentador. O primeiro é aquele que profissionalmente estuda o assunto sobre que se pronuncia, no fundo é um jornalista do comentário. O segundo é um emissor de opiniões, comentários sempre especulativos, com que apenas consegue, quase sempre é assim, entreter quem o ouve. Tirando os casos em que julgo ser “especialista” de alguma coisa, apenas sou e gosto de ser comentador. Como a TV de Portugal é essencialmente constituída por telenovelas – incluindo as da política –, concursos – em que o apresentador se entretém a encher o tempo e a desviar os espetadores da suprema ignorância dos concorrentes – e programas de comentadores – incluindo aqueles em que políticos fazem a triste figura de ser “futebol(fol)eiros” –, eu humildemente julgo que talvez ainda possa ter a hipótese de encontrar um emprego que complete o parco salário que aufiro por fazer o que sei. Geralmente é assim. Com a exceção dos vigaristas, ganha-se melhor a fazer o que não se faz tão bem.

Chegado aqui, depois da minha informal candidatura para, com o devido retorno, passar a ser mais uma “opinião que importa” ou o “homem que sabe”, desde já declaro que muito pouco se aprendeu, de verdade, com a passada sondagem formal de algumas opiniões, o pedido de depósito de voto na urna a que uns quantos compatriotas se deram ao trabalho de corresponder, uma coisa a que pomposamente se chamou eleições para o Parlamento Europeu. Mas ouve lições. Esta foi a primeira lição. Transformar uma grande sondagem de opinião numa manifestação de desejos políticos de uma população é um exagero estatístico.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Uma coisa é certa, nesta sondagem o PS ganhou. Não teve muito votos, como ninguém teve, mas ganhou. Foi mais competente e, apesar de tanto que lhe estava a correr mal, ganhou. Mais, reforçou a ideia de que em próximas eleições, desejavelmente levadas mais a sério pelos eleitores, voltará a ganhar. Todavia, tudo sugere, não mais do que isso, que não terá a maioria necessária de deputados para governar sem apoio parlamentar de outros partidos.

Também é evidente que a adição dos votos despejados no PSD, CDS, Aliança, Basta/Chega/Estamos fartos/Temos pena, Iniciativas e outros (?), não ficou muito distante do vitorioso PS. Conclusão, já o escrevi várias vezes, neste século não há lugar a um PSD que seja indistinguível do PS, nem a um CDS e PPD separados. Já não fazem sentido e o eleitorado que foi votar disse isso. A PàF ganhou as últimas eleições e poderia, até deveria, ter tido a maioria suficiente para governar. Não chegou lá por falta de convicção e excesso de tibieza em campanha. Fácil falar depois, não é?

Segunda lição. Seja como for, PSD e CDS, enquanto separados, nunca mais vão ganhar uma eleição em Portugal. E todos aqueles, muitos neste jornal, que cultivaram o voto na Aliança ou na Iniciativa Liberal tiveram a desagradável constatação de que Portugal ainda não está preparado, porque é globalmente pobre e naturalmente avesso a riscos, para uma mudança de paradigma que não contemple o papel social do Estado como o centro da governação nacional. Quarenta e seis por cento de isentos de IRS nunca serão liberais. Nem a mais de metade dos portugueses que não paga taxas moderadoras no SNS. Mas não é certo que vão votar sempre à esquerda do PPD, logo que este perceba que de “sociais-democratas” já há de sobra.

Portugal não precisa de mais esquerda, nem de “liberais”, uma coisa que não sei bem o que é para lá daqueles que acham ser seu direito abusar da liberdade dos outros e ainda esperar que sejam esses mesmos a pagar pelos seus desmandos. O protótipo do tipo que fuma para cima do fulano do lado e ainda se ofende quando lhe pedem para apagar o cigarro, ao mesmo tempo que, grande liberal, está seguro de que é o mesmo tipo do lado quem lhe vai pagar o enfarte que um dia vai ter. Digamos que o liberal queixa-se de pagar impostos, mas não deixa de esperar cobertura do Estado. A esquerda paga e acha que está tudo bem, mas não se queixa porque o governo é de esquerda e isso chega. A direita, a de que precisamos, aceitará pagar o que tiver de pagar, nem mais nem menos, para ter serviços públicos, ou privados onde o Estado não os puder prestar, com a qualidade que o preço pago exigir.

Precisamos de uma direita, assim chamada para que se distinga da esquerda, com vocação solidária, reformista e protetora da liberdade de todos e de cada um. Tem de haver lugar a quem defenda os serviços públicos de educação e de saúde, sem atribuir o papel de prestador só ao Estado, ao mesmo tempo que se aceite que nem todos os criminosos são reabilitáveis, que há sociopatas que terão de se manter dignamente enclausurados e que nem todos os emigrantes são necessários, ao mesmo tempo que não há como deixar de convidar a vir viver connosco todos aqueles de quem precisamos e são muitos. Terceira lição.

Aquilo a que se convencionou chamar “direita” tem agora, finalmente, várias cores. Ainda não há, com votos significativos, um corpo de representação xenófoba, racista, nacionalista, totalitária a que se poderia chamar de extrema-direita. Ainda bem. Mas também é bom que essa gente vá a votos, com a mesma liberdade dos amigos dos perpetradores do massacre da floresta de Katyn, para que se saiba quanto valem. O Gulag e a democracia de Pyongyang ainda têm votos em Portugal. Estão a diminuir? Talvez? Auschwitz e os Sonderkommando ainda não ganharam voz. Menos mal.

Infelizmente, ainda há uma esquerda comunista, de base ditatorial na aplicação das suas ideias de glorificação do proletariado, com votos muito significativos e de quem o PS depende e provavelmente dependerá no futuro. Esta é uma das razões, mas há muitas outras, para que não se vote no PS de hoje, uma coisa que nada tem a ver com o PS de Mário Soares e Sucrs. Votar PS, nas próximas legislativas será condenar o País a mais uns anos de clientelismo, subserviência económica aos interesses internacionais e ao imobilismo. Pior, será condenar os serviços públicos à obsolescência completa, sem que possa haver uma alternativa social ou privada, entretanto descartada pela extrema-esquerda.

Mas o eleitor médio votará PS porque tende naturalmente a votar no que conhece. Reconheçamos que a PáF, em 2015, também beneficiou desta constatação universal. Nas próximas eleições, o eleitor médio votará na “situação” por não reconhecer capacidades alternativas noutros partidos, em especial naqueles que estão do centro para o polo mais distante da esquerda. Como disse Churchill, irrepreensível democrata, “o melhor argumento contra a democracia é uma conversa de cinco minutos com o votante médio”. O eleitor médio, não sabe, não quer saber, apenas sente e pressente. Quarta lição que é apenas recapitulação da matéria dada.

Anda tudo muito preocupado com os populistas. Não são uma coisa nova. Sempre existiram e sempre tiveram vocação para ser ganhadores em contextos de desinformação generalizada. Populista é quem mente melhor. E há tanto mentiroso tão bem sucedido. Logo, não percebo como possa haver quem se compraza com a “derrota dos populismos” quando a maioria dos eleitores poderá escolher votar do BE para o PS, passando pelo malfadado PCP, conhecidos torcedores da verdade. Isto para não falar da emergência dos amigos dos canis, gatis e pombais, agremiação que se vestirá de verde mais carregado quando precisar de umas patacoadas melhores do que as que tem dito. Ou não será que o estrume também destrói a camada de ozono?

Convenhamos que um bom programa de partido é sempre útil. Uma coisa que não seja só a repetição de lugares comuns, a linguagem do serve todos, para todos e para todo o sempre. Por exemplo, sendo evidente que há um conjunto de matérias sobre a quais nada será reformado sem consenso alargado, é melhor e mais profícuo, para a minoria que lê essa “maçada” que se chama de programa eleitoral, apresentar soluções que possam servir de base para um qualquer tipo de consenso do que pedir acordo sem saber em que moldes ele poderá ser estabelecido. Ninguém ganha eleições com o pressuposto de que se perder vai ajudar o vencedor, tal como não ganha sob a égide de que se ganhar vai governar com as ideias dos outros. Estarei errado?

Uma coisa é evidente. Quem não conseguir justificar o voto no seu partido por questões que se prendam com mais solidariedade do Estado, melhores serviços de saúde, mais educação, pensões garantidas, mais emprego, maior poder de compra, mais segurança pública, maior justiça e melhor ambiente não será escolhido pelos eleitores. Não bastará prometer, todos o farão, o segredo está em explicar como se chegará lá, na certeza de que nos últimos 4 anos nos afastámos de tudo isto.

E agora a quinta lição que há quem não queira ver, por mais clara que seja. O problema maior, em toda a política e em todos os sistemas eleitorais, é que com boas ou más ideias, melhores ou piores cartazes, comunicação social mais ou menos favorável, há líderes, caras, pessoas que não “passam”, não “vendem”, não convencem. Não raramente, a maior genialidade de um político está em perceber que nunca irá ganhar, simplesmente porque não se está calhado para ser vencedor. Não interessa de quem é a culpa. O que interessa é saber reconhecer que o seu tempo, o do líder partidário, não coincide com o deles, o dos eleitores. E nem vale a pena tentar explicar-lhes, aos votantes, que estão errados. Há coisas que não se explicam. São assim mesmo e há que aceitá-las. Quem sabe se o Dr. Seguro, “o apunhalado”, não era, afinal, “o vidente”?