Se o caro leitor é frequentador de redes sociais, ou conhece os seus métodos de funcionamento, certamente saberá o quão personalizados são os conteúdos que lhe são apresentados sem você escolher deliberadamente vê-los.

Se os seus interesses são, por exemplo, vegetarianismo, musculação e animais, então é provável que lhe apareçam diariamente dezenas de vídeos e/ou imagens sobre receitas veggie, exercícios de hipertrofia e de animais a fazerem coisas fora do normal.

Melhor ainda, o algoritmo, através daquilo que você diz, escreve e grava, dentro e fora das redes, consegue aprofundar o conhecimento sobre as suas opiniões, que posteriormente se relacionam com os seus interesses. O que significa que, se gostar de política, o conteúdo que lhe será apresentado não só será sobre política, como será algo que valide as suas visões políticas, a vários níveis, quer seja a nível de partidos, ideologias ou qualquer outra coisa relacionada com o tema.

Imaginemos que é um cidadão residente no interior do país e que tem fortes convicções sobre a ausência de uma política eficaz e consequente para combater a desertificação do interior. Nesse caso, as probabilidades são a favor de que as redes sociais que frequenta lhe mostrem conteúdo que comprova essas mesmas convicções, pois isso fará com que se sinta bem, sinta que tem razão, e associe esse sentimento positivo à rede social onde se encontra.

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Por outro lado, caso a mesma rede social lhe mostrasse conteúdo que fosse profundamente contra aquilo em que acredita, o mais provável seria que se sentisse menos bem em frequentá-la e que se gerassem, dentro de si, sentimentos negativos face à mesma, assim como dissonância cognitiva.

Este fenómeno faz com que acabemos por ser constantemente expostos àquilo de que gostamos, em que acreditamos e em que nos revemos, diminuindo, ao mesmo tempo, a nossa exposição ao contraditório das nossas crenças e pensamentos.

Se sairmos do espaço das redes sociais, e pensarmos, por exemplo, nos media, enquanto antigamente, antes de existirem notícias online, estávamos obrigados a comprar um jornal inteiro, que incluía todo o tipo de notícias e artigos de opinião aos quais éramos involuntariamente expostos, atualmente podemos selecionar criteriosamente as notícias que decidimos abrir e os colunistas que decidimos ler (normalmente aqueles com os quais mais nos identificamos). Mais uma vez, ver só aquilo que queremos ver.

O mais preocupante nesta matéria é o facto de sermos nós, e apenas nós, a escolher assistir a esses conteúdos. Ninguém abre conta em redes sociais e as frequenta assiduamente se assim não quiser. Ninguém escolhe a dedo as notícias e os colunistas que lê, se assim não o desejar.

No passado, porque faz parte da natureza humana, sempre nos tentámos distanciar daquilo com que menos nos identificamos, e nos tentámos, ao mesmo tempo, aproximar daquilo de que mais gostamos e que mais confortáveis nos faz sentir. No entanto, levado ao extremo, como acontece hoje em dia, isso leva a uma bipolarização sem antecedentes.

Assistimos, cada vez mais e de forma cabal, à escolha impreterível de lados sempre que de assuntos sensíveis se trata. Exemplificando, vimos como as mais recentes eleições brasileiras se tornaram quase um combate sanguinário entre os apoiantes de Lula e os apoiantes de Bolsonaro. Cada um dos lados tinha a sua verdade. Não interessavam os factos, muito menos o contexto dos mesmos. Isso acontece porque, a juntar a outros fatores (como as fake news), as pessoas estão constantemente a ser bombardeadas com “informação” que confirma aquilo em que querem acreditar.

Por inerência, o facto de, cada vez mais, se tornar, mesmo que de forma inconsciente, mais difícil sermos expostos a outras opiniões e, logo, a sermos persuadidos por elas, faz com que o nosso pensamento seja progressivamente mais dogmático e imutável. E, quer queiramos quer não, são os inputs dos outros que nos ajudam a crescer e a melhorar. Sem a riqueza da diversidade de pensamentos e opiniões não evoluiríamos enquanto sociedade e indivíduos.

Posto isto, é fundamental estimular o pensamento crítico e o autoquestionamento. Sem ele, é impossível mudar, e quem não muda morre intelectualmente. Estudemos, eduquemo-nos e questionemo-nos, sempre com uma única certeza: a de que raramente estamos certos.